STF deve julgar em junho a “revisão da vida toda”, com previsão de impacto bilionário à previdência

O Supremo Tribunal Federal (STF) agendou entre os dias 4 e 11 de junho o julgamento do recurso extraordinário (RE 1.276.977), de repercussão geral, que trata sobre a aplicação da regra mais vantajosa aos assegurados da Previdência Social que contribuíram até julho de 1994. A ação, conhecida como “revisão da vida toda”, será analisada no plenário virtual da Corte e tem como relator o ministro Marco Aurélio.

A discussão recai sobre duas legislações. A primeira delas é Lei 8.213/1991, que estabeleceu os planos e regras dos benefícios da Previdência Social. O objeto é o artigo 29 (incisos I e II) desta lei, com as seguintes redações:

I – para os benefícios de que tratam as alíneas B e C do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;

II – para os benefícios de que tratam as alíneas A, D, E e H do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

No entanto, em 1999, a Lei 9.876 reformou a Previdência Social e estabeleceu, em seu artigo 3º, uma regra de transição e passou a não considerar os valores recebidos antes de 1994 para o cálculo da aposentadoria.

Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994.

A AÇÃO
A origem da ação é no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (com sede em Porto Alegre/RS), onde um assegurado requereu do INSS que o cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) levasse em consideração a média de todos os salários de contribuição, com base na redação do artigo 29º da Lei nº. 8.213/91, e não apenas aqueles após julho de 1994, previstos na regra de transição do artigo 3º da Lei n. 9.876/99.

No mérito, o autor da ação alegou que possuía direito de que seja aplicado no cálculo do valor do seu benefício a regra mais vantajosa. Mesmo já sendo filiado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) quando a Lei 9.876/99 foi publicada, solicitou a aplicação da regra prevista no art. 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91, para que o salário-de-benefício seja calculado com base na média aritmética simples dos maiores salários-de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário.

Ao analisar o caso, o TRF entendeu que, com o advento da Lei 9.876/99, passaram a existir três situações possíveis para apuração da RMI:

a) casos submetidos à disciplina do art. 6º da Lei 9.876/99 c.c. art. 29 da Lei 8.213/91, em sua redação original – segurados que até o dia anterior à data de publicação da Lei 9.876/99 tenham cumprido os requisitos para a concessão de benefício segundo as regras até então vigentes (direito adquirido): terão o salário-de-benefício calculado com base na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36, apurados em período não superior a 48 meses;

b) Casos submetidos à disciplina do art. 3º da Lei 9.876/99 – segurados que já eram filiados ao RGPS em data anterior à publicação da Lei 9.876/99, mas não tinham ainda implementado os requisitos para a concessão de benefício previdenciário: terão o salário-de-benefício calculado com base na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de benefício) pelo fator previdenciário;

c) Casos submetidos à nova redação do artigo 29 da Lei 8.213/91 – segurados que se filiaram ao RGPS após a publicação da Lei 9.876/99: terão o salário-de-benefício calculado com base na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de benefício) pelo fator previdenciário.

“Não procede, assim, a pretensão de afastamento da limitação temporal a julho/94 em relação aos segurados que já eram filiados ao RGPS na data da publicação da Lei 9.876/99”, decidiu.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Sem sucesso nas instâncias iniciais, o autor levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que aceitou o recurso em 2019. O INSS, por sua vez, interpôs o recurso extraordinário que será analisado pelo STF. Em agosto do ano passado, a Suprema Corte, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral.

O INSS, no recurso extraordinário, alegou que a decisão do STJ violou a Constituição Federal, que, segundo o órgão, “também limitou o cálculo de benefícios previdenciários aos salários-de-contribuição vertidos ao sistema a partir de julho de 1994. Ao rever sua jurisprudência para reconhecer aos segurados que ingressaram na Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/99 o direito de opção, na apuração de seus salários-de-benefício, entre a regra do art. 3º da Lei 9.876/99 e a regra do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91, o Superior Tribunal de Justiça inaugurou verdadeira discussão constitucional sobre o tema”, defendeu.

Ainda no recurso, o INSS apontou impactos bilionários no reconhecimento da repercussão geral da matéria. Afirmou que garantir ao segurado o direito de opção à norma mais favorável dentre as regras de transição e definitiva, exigiria do INSS expressivo acréscimo nos recursos necessários à manutenção do sistema de previdência brasileiro, o que demonstraria a relevância econômica da matéria.

Segundo nota técnica da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, o impacto financeiro decorrente da imediata aplicação da tese do STJ, apenas no que toca às aposentadorias por tempo de contribuição, é da ordem de:

R$ 3,6 bilhões para o ano de 2020;
R$ 16,4 bilhões para os últimos cinco anos;
R$ 26,4 bilhões para o período de 2021 a 2029.

“Observe-se que a Nota Técnica da Secretaria de Previdência não considera os impactos fiscais relacionados a outros benefícios previdenciários, tais como pensão por morte, aposentadoria por idade e por invalidez. Há que se ter em conta, ainda, o impacto operacional sobre o INSS, com transtornos nas rotinas de concessão de benefícios e consequente incremento de despesas de natureza operacional”, justificou o INSS.

Para o INSS, existe uma única regra que é aplicável a todos os segurados (sejam eles filiados ao RGPS antes ou após a vigência da Lei 9.876/99): para o cálculo do salário-de-benefício, somente serão computados os salários-de-contribuição a partir de julho de 1994. “Sob essa perspectiva, a regra é universal e concretiza o princípio da isonomia”, completou o órgão federal, que também alega risco de desequilíbrio econômico.

Ao considerar a repercussão geral do tema, o STF considerou o impacto financeiro que a prevalência da tese fixada pelo STJ pode ocasionar no sistema de previdência social do país e o imenso volume de segurados que podem ser abrangidos pela decisão a ser proferida neste feito. “Os fundamentos a serem construídos na solução desta demanda servirão, efetivamente, de parâmetro para os inúmeros processos semelhantes que tramitam no Poder Judiciário”.

O julgamento está agendado para ocorrer entre os dias 4 e 11 de junho, no plenário virtual.

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