Seu nome: se não me engano, é Jesus; um conto: ficção ou realidade?

por João Geraldo Lopes Gonçalves

Maria Madalena andava pelo barraco arrastando o barrigão de 8 meses. O rebento seria ao nascer o sexto de seu ajuntamento, como ela mesmo diz, de 8 anos com o negão Jesus. Estava agoniada, pois já passava das dez e seu homem ainda não tinha voltado do trabalho. Trabalho, fixo e seguro, a um tempão Jesus não tinha. O cara tava no bico e nos biscates fazia anos. Drogas e bugigangas roubadas, nem pensar.

Apanhou de Herodes, o chefe do bando de Pilatos no morro, várias vezes por não aceitar virar mula ou soldado da gangue.

Tinha a sua turma, gente da melhor qualidade da favela: Pedro era mecânico de autos da oficina do senhor Zaqueu, homem rude e que só pensava em dinheiro, até que conheceu Jesus, resolveu empregar os amigos do sangue bom e distribuir comida para o povo que passava fome.

João era como irmão para Jesus, que o protegia de tudo e de todos. Era o mais jovem da turma, trabalhava no armazém de Lázaro, também da turma e à, noite incentivado por Jesus e os outros, fugia das drogas e do crime, indo à escola.

Eram em treze amigos, entre eles Tiago, Matheus, Lucas e o indeciso, porém, gente boa, Tomé. Todos trabalhadores honestos que labutavam contra as injustiças do mundo.

Jesus era, sem dúvida, o mais inteligente de todos. Participava da Associação de Moradores da Favela e lá aprendeu que a única forma de termos justiça neste mundo é o povo se unir e lutar por uma vida melhor.

Jesus era o orador do bairro, várias lutas foram travadas sob sua liderança. Aquela contra a empresa “Fariseus” que, como uma grileira, apresentou escritura falsa do terreno e dizendo, que os barracos iam ser derrubados e o povo que se virasse, que naquele lugar um shopping center seria construído.

O povo se uniu, com o apoio de advogados dos direitos humanos, os padres da igreja e alguns vereadores do Partido dos Zelotas, gente como eles lá do morro. A vitória chegou e nada foi derrubado.

Jesus era o cara que tudo via, tudo sabia, que procurava proteger sua gente. As crianças eram sua prioridade, não admitia que as maltratassem, denunciava para as autoridades quem isto fizesse. Os amigos, o povo do morro, adoravam ouvir Jesus, ele que muito lia, informado, socializava com sua gente.

Não tinha condescendência com político safado, que vive o tempo todo enganando os pobres. Adorado pelo morro, admirado pelos grupos progressistas, Jesus era odiado pelo tráfico e pelos políticos que só queriam explorar.

Esta situação de ódio materializou-se em ameaças de morte, tentativa de desmoralização pessoal, moral. Os amigos alertavam Jesus para que não andasse sozinho, os moderados solicitavam que diminuísse o fel da língua, mas Jesus dizia que não iria calar.

Já eram mais de 10 da noite e Jesus não chegava. Madalena começa ficar aflita, preocupada. No dia anterior, Pedro, ao tomar um café na casa da comadre, confidenciou a ela que não confiava no vendedor ambulante Judas, pois o viu várias vezes a conversar com o traficante Herodes e um assessor do prefeito César.

O tempo passava e nada do negão. Mais tarde a mãe de Jesus, Maria, amparada por João, é que dá a notícia: o filho amado, o marido amado, o irmão amado, o amigo amado, foi dedurado por Judas, que ganhou 300 reais e morto foi com várias rajadas de metralhadora, por traficantes e policiais militares.

O povo chorou, ficou com medo, achou que a esperança tinha morrido. No entanto Jesus e sua fé em um mundo novo continua firme na memória e na vida do povo do Morro de Jerusalém.

A face de Cristo

O conto acima foi escrito há mais de quinze anos. Este escrevinhador alterou pouca coisa na narrativa, pois o contexto atual nada mudou em relação nossa visão de Jesus Cristo.

Hoje, Sexta-Feira Santa para os cristãos, faz parte da programação de igrejas e religiosas da Semana Santa, que fecha o período quaresmal, que no Brasil tem início após o carnaval. Período este de reflexão sobre Cristo e sua vida, paixão e morte.

Somos de uma geração de militantes de origem da Igreja Católica e convivemos o clima não só de espiritualidade, meditação. Mas também de reflexão sobre os ensinamentos de Jesus Cristo e o contexto deste mundo, real e com diversas contradições.

Ao escrever este conto, colocamos no papel a face do homem que há mais de dois mil anos morre na cruz, condenado pelo poder econômico, politico e religioso de sua época. Um poder que usa da manipulação de fatos, cheios de “fake news” e intrigas, confundindo o povo pobre, alimentando nos mesmos a ideia de um criminoso.

E que crime cometeu aquele ser humano?

O de pregar “amar a todos?” Bem-aventurados os pobres? A multiplicação dos pães? A exploração financeira da fé? Dar as mãos as crianças, doentes e mulheres?

A ideia de torná-lo um criminoso, com acusações absurdas, nos leva a comparar ao hoje quando pessoas olham para o outro e lhe estende as mãos no sentido de solidarizar com sua dores, a grita se faz presente, o acusando de “comunista”, “bandido”, “baderneiro”, e por aí vai.

O dia de hoje em que igrejas ficam lotadas, onde pessoas choram ao se dirigir a cruz onde pregaram Jesus, é momento de enxergar a face de Jesus Cristo, não no homem de 2.000 mil atrás. Mas do excluído, marginalizado. Daquele que é crucificado todos os dias, na fila do desemprego, dos baixos salários.

Daquele que é pregado na cruz, por sofrer preconceito, e raça, gênero, religião e classe social. Daquele que morre na fila da saúde, sem médico, sem remédio.

Daquele cujo filho está fora escola. Daquele que convive com a violência.

Para nós, o dia de hoje é momento de fortalecer o Cristo Vivo, que não separa ninguém, não julga por ser diferente nas roupas, no gênero, na cor, no padrão econômico.

É dia de buscar forças para resistir ao dragão da maldade ou ao diabo que muitos gostam de dizer, que não é uma figura transcendental, ela está na ganância, no egoísmo, e na concentração de renda do próprio ser humano.

Chega de ver a face de Cristo ser crucificada a todo o momento.

Jesus Cristo é Amor, Justiça, Fraternidade e Solidariedade.

A todas e todos, desejo uma Feliz Páscoa.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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