Quem tem AME tem pressa!

Por Amilton Augusto

Para algumas famílias de crianças portadoras de AME (Atrofia Muscular Espinhal), a vida tem um preço e, infelizmente, custa bem caro, cerca de 12 milhões de reais, que é o preço do medicamento Zolgensma, considerado como o mais caro do mundo, condição que leva, lamentavelmente, muitas crianças a perderem a batalha contra a doença muito cedo, por falta de dinheiro para o tratamento.

            Segundo levantamento, no Brasil há cerca de 8 mil casos diagnosticados de AME, doença extremamente grave, causada por um defeito genético que altera a produção de uma proteína necessária para o desenvolvimento da musculatura do corpo, sendo, como uma triste realidade, a principal causa genética de morte em bebês, cenário que poderia ser evitado, pois, apesar de não haver cura, a doença tem controle, que depende justamente do referido medicamento.

            Em síntese, a atrofia muscular espinhal é uma doença neuromuscular, genética e hereditária, causada por mutações no gene SMN1, caracterizada pela degeneração e perda de neurônios motores da medula espinhal e núcleos motores no tronco cerebral inferior, resultando em fraqueza muscular progressiva e atrofia, configurando os sinais definidores da doença a hipotonia, paralisia, arreflexia, amiotrofia e miofasciculação, com incidência estimada de 1 em 10.000 nascidos vivos.

            Diante dessa realidade, embora com muito atraso, o Zolgensma foi registrado pela ANVISA em agosto de 2020, após diversos estudos e teste, regulamentado o seu uso, exclusivamente, para tratamento da AME, além da isenção de impostos de importação deferido pelo Governo Federal. Além disso, em 2020 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5253/2020, com a finalidade de incluir a medicação na lista do SUS, para fornecimento gratuito aos que necessitam.

            Pode parecer um cenário promissor para muitas famílias que sofrem com essa condição, em especial quando se trata de crianças na primeira infância, mas nem tudo o que parece é, pois, no Brasil, a burocracia e a falta de prioridade e vontade política dificulta o que é simples, uma vez que, mesmo sendo o Zolgensma reconhecido mundialmente como o tratamento que mais se aproxima da cura da AME, há óbice para sua inclusão no catálogo do SUS.

            Quando se imaginava que o Projeto de Lei nº 5253/20, iniciativa louvável, embora, reitero, medida de demora inexplicável, tendo em vista se tratar de uma doença que faz vítimas todos os anos no Brasil, seria facilmente aprovado, após aprovação do relatório, a Câmara dos Deputados suspendeu a sua tramitação para abertura de audiências públicas, com o fim de discutir a eficácia do medicamente e a sua aplicação, em razão, inclusive, da inclusão recente de outro medicamente no catálogo do SUS com a mesma finalidade.

            Este medicamento, incluído no catálogo do SUS, é o Spinraza, que atende aos tipos 2 e 3 da AME, que, embora sirva para tratar a doença, tem somente o efeito de retardar os efeitos da falta de proteína, permitindo que a criança recupere alguns movimentos, ou seja, atrasa o processo degenerativo, diferentemente do Zolgensma, que foi criado para levar um cópia saudável do gene para que a proteína possa ser produzida e assim os músculos possam ganhar algumas das suas forças, ou seja, na prática, ele concerta a célula danificada.¹

            Mesmo assim, a disponibilização do Spinraza não foi tão simples em nosso País, o que demonstra claramente a falta de interesse político em cuidar do tema, uma vez que, a portaria que permitiu a distribuição do remédio pelo SUS foi assinada em 2019, ficando o processo parado até que, em agosto de 2020 o Ministério da Saúde concluiu que seria inviável o projeto no modelo de risco compartilhado com o fabricante do produto, a Biogen.²

Foi, então, que, somente mais de um ano após a assinatura da portaria que o SUS enfim terá a liberação desse medicamento para tratamento do tipo 2 da doença, decisão que só ocorreu após audiência pública realizada em março desse ano, contrariando recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias que defendia não haver evidências científicas suficientes para recomendação favorável, considerado o alto investimento a ser feito pelo Governo.³

Como se vê, no Brasil, até o óbvio passa por burocracia desnecessária e a vida está sempre fora da prioridade de muitos políticos, que em vez de facilitar a vida da população que necessita de atendimento, dificulta, criando empecilho onde não parecia existir. O fato é que, para mudar a realidade precisa coragem, sensibilidade social e vontade, colocando como prioridade o que realmente importa: a vida e o ser humano, afinal, quem tem AME tem pressa!

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¹ https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/investigacao-cm–saiba-as-diferencas-entre-os-dois-medicamentos-utilizados-para-curar-a-doenca-de-matilde

² https://brasil.estadao.com.br/blogs/vencer-limites/ministerio-da-saude-bloqueia-projeto-que-deveria-entregar-remedio-para-ame-no-sus/

³ https://www.portalr3.com.br/2021/06/sus-inclui-medicamento-spinraza-para-tratamento-de-atrofia-muscular-espinhal-2/

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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