Por Laura Brito
No dia 20 de agosto desse ano o Conselho Nacional de Justiça julgou o Pedido de Providências 0001596-43.2023.2.00.0000 para determinar que inventários, partilha de bens e divórcios consensuais poderão ser feitos em cartório ainda que envolvam herdeiros ou filhos com menos de 18 anos de idade ou incapazes.
A comunidade dos advogados de Direito de Família e das Sucessões estava em polvorosa. Foram muitas entrevistas, vídeos e manifestações nas redes sociais. Todos estavam comemorando, inclusive eu, a possibilidade de tirar do atolado Poder Judiciário partilhas de inventário e divórcio que se arrastavam por anos porque tinham entre os interessados crianças ou pessoas incapazes.
Para quem acompanhava, parecia que todos os problemas estavam resolvidos e que, por um passe de mágica, haveria um movimento de desjudicialização do Direito de Família e das Sucessões. Mas, não é bem assim. Essa festa é boa, mas é para poucos convidados, como vou explicar abaixo.
A realidade é que inventários e divórcios extrajudiciais já podem ser realizados há muito tempo – há 17 anos para ser exata. Apenas os que envolvem pessoas com menos de 18 anos ou incapazes estavam excluídos. Ainda assim, ouso afirmar que a maior parte das partilhas ainda acontece dentro do Poder Judiciário. Por que isso acontece?
O primeiro obstáculo está no custo de fazer partilhas no cartório. A Resolução CNJ nº 571, que é o resultado do julgamento ocorrido no dia 20 de agosto, menciona que a gratuidade prevista na norma adjetiva (leia-se Código de Processo Civil) compreende as escrituras de inventário, partilha, divórcio, separação de fato e extinção da união estável consensuais.
Ora, a gratuidade de emolumentos nos tabelionatos de notas é a coisa mais difícil de se obter. Quando não é expressamente negada, os atendentes do cartório, simplesmente, não dão continuidade ao atendimento. Ao contrário, no Judiciário, ainda que moroso, dentro de um contexto de acesso à justiça, as possibilidades de comprovar a impossibilidade de pagar as custas processuais são muito amplas.
Não bastasse, o custo das partilhas extrajudiciais é maior no cartório do que é no Judiciário. Isso porque a forma de calcular o valor das escrituras públicas acaba por impactar fortemente o custo final. Aqui você pode me perguntar: então, você acha o preço dos cartórios caro? Não, não acho.
O serviço prestado por tabelionatos de notas é precioso, zeloso e rápido. Em regra, seus custos são compensados pela agilidade e pela liquidez que dão aos bens. Mas não podemos fingir que é para todos, porque é preciso pagar tudo e antecipadamente.
Não bastasse, ainda que a partilha de bens extrajudicial evoque uma dimensão de simplicidade – afinal, saiu do Judiciário –, trata-se de um serviço ainda mais especializado. Anote-se, aliás, que partilha de bens, seja de divórcio, seja de inventário, é um serviço para advogados que entendem do atendimento de famílias e possuem experiência no tema do patrimônio familiar, além de suas repercussões tributárias.
Por isso, para fazer uma partilha extrajudicial a pessoa precisa estar assessorada por um advogado realmente especializado no tema. Conheço muitos advogados que ainda não se arvoram a fazer um serviço extrajudicial – eles precisam da condução do Juiz para finalizar o trabalho. Trabalhar com o Direito de Família e das Sucessões extrajudicial é bom, é rápido, mas demanda muito conhecimento e experiência.
Em suma, a nova resolução do CNJ é, sim, motivo para comemorar. A ampliação dos caminhos para uma solução jurídica é um ganho importante. Mas não podemos tratar essa novidade como se fosse uma solução para todos.
Para que um cidadão seja convidado para a festa do extrajudicial ele tem que estar disposto a pagar caro pelo convite e estar muito bem acompanhado. Sem dúvidas, é um salão de festas reservado.
Laura Brito é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões, possui doutorado e mestrado pela USP e atua como professora em cursos de Pós-Graduação, além de ser palestrante, pesquisadora e autora de livros e artigos na área.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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