Em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na tarde de segunda-feira (27/5), especialistas alertaram para riscos ambientais, sociais e patrimoniais da proposta de emenda à Constituição que transfere os terrenos de marinha — terras da União no litoral — para ocupantes particulares, estados e municípios (PEC 3/2022). O debate atendeu a um requerimento do senador Rogério Carvalho (PT-SE).
A coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marinez Eymael Garcia Scherer, informou que a área de segurança nos terrenos de marinha em outros países costuma ser maior que a adotada no Brasil (33 metros). Ela citou o exemplo de Portugal (50 metros), Suécia (100 a 300 metros), Uruguai (150 a 250 metros) e Argentina (150 metros). A PEC pode significar, na visão de Marinez, um risco de ônus para toda a sociedade e de perdas na qualidade de vida.
Marinez Scherer também alertou que o nível do mar vem subindo nos últimos anos. Esse aumento, ressaltou, avança exatamente sobre a área de segurança e dos terrenos de marinha. Ela disse que essas áreas, que normalmente têm manguezais, restingas e falésias, são consideradas áreas de preservação ambiental permanentes. Segundo Marinez, se houver perdas nessas estruturas naturais, haverá perdas de bem-estar humano e perdas econômicas. Ela citou o exemplo recente do Rio Grande do Sul e disse que as perdas econômicas atingem toda a população.
“Não é à toa que essas áreas são consideradas áreas de conservação permanente. São assim porque são importantes para a segurança humana e para o bem-estar humano”, registrou.
A secretária-adjunta da Secretaria de Gestão do Patrimônio da União no Ministério da Gestão e da Inovação dos Serviços Públicos, Carolina Gabas Stuchi, afirmou que a PEC é de interesse de toda a população brasileira. Segundo Carolina Stuchi, o domínio da União sobre a faixa da costa marítima é essencial para a soberania nacional e para o equilíbrio do meio ambiente. Ela ainda disse que, se a PEC fosse aprovada hoje, haveria “um caos administrativo”, porque a estimativa é que existam cerca de 3 milhões de imóveis não registrados ocupando essa faixa.
De acordo com Carolina, a proposta extingue a faixa de segurança e permite a transferência do domínio pleno, o que poderia agravar a questão fundiária relacionada a povos tradicionais. Ela acrescentou que outros países estão recomprando as áreas de praia que haviam sido privatizadas tempos atrás. Para a secretária, a PEC ainda pode ser aperfeiçoada. Ela ainda disse que leis mais simples já podem auxiliar a resolver os problemas relacionados aos terrenos de marinha.
Diretor do Departamento de Assuntos do Conselho de Defesa Nacional do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Bruno de Oliveira, opinou de forma contrária à PEC. Ele disse que a mudança pode chocar com princípios de soberania nacional, justiça social e pontos importantes da preservação do meio ambiente. Para Oliveira, eventuais ajustes podem ser feitos por meio de projetos de lei.
Para o deputado Túlio Gadelha (Rede-PE), a PEC vem em um momento delicado, por conta da situação do povo gaúcho. Ele disse que terreno de marinha é terreno da União — o que significa que é terreno do povo. Na opinião do deputado, só a União tem capacidade de gerir e fiscalizar os terrenos de marinha. Ele disse que nos municípios há mais barganhas políticas, o que poderia favorecer os problemas ambientais. O deputado reconheceu que o texto não fala em privatização de praias, mas apontou que essa será uma das possíveis consequências da transferência dos terrenos para estados, municípios e particulares.
Outro lado
Em outro sentido, os prefeitos convidados defenderam a capacidade de os municípios administrarem os terrenos de marinha. O prefeito de Belém (PA), Edmilson Rodrigues (PSol), afirmou que 42% da área continental do município são constituídos por terrenos de marinha ou acrescidos. Ele disse que a proposta faz a ressalva para as áreas de segurança nacional, que permaneceriam com a União.
Para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator do texto, a PEC pode facilitar o registro fundiário e também gerar empregos. O relator apontou que a motivação da PEC é um sentimento municipalista. “Os prefeitos conhecem mais a situação dos municípios do que nós aqui do Senado. É um fato: a PEC não privatiza praias”, ponderou Flávio, contrapondo participantes da audiência pública e informações divulgadas pela internet.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) criticou o entendimento de que a PEC poderia privatizar as praias e permitir seu cercamento. Ele disse que toda a legislação ambiental é federal. Segundo Amin, não há uma linha no texto da PEC que poderia permitir a privatização das praias. Ele disse, no entanto, que há pontos na proposta que precisam de mais debate. O senador ainda afirmou que a PEC permite a descentralização e criticou o que chamou de “centralismo” de gestão e decisões.
“Apostar no centralismo não é bom para um país que é uma Federação. Não vamos ser sócios do medo. Vamos discutir o teor real da PEC”, registrou Amin.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) disse que recebeu muitas informações sobre a possibilidade de privatização das praias. Ela afirmou, no entanto, que estudou o texto e não identificou nada que pudesse permitir a interpretação de uma possível privatização dos terrenos de marinha.
Fonte: Agência Senado
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