Pensão do INSS: “Garantimos o direito das crianças e adolescentes sob guarda”, diz advogado sobre decisão do STF

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu, em julgamento virtual realizado no último dia 7, a inclusão de menores sob guarda na condição de beneficiários de pensão por morte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O entendimento foi que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes devem ser protegidos com absoluta prioridade, inclusive para questões previdenciárias.

Sobre esta decisão, muito comemorada no meio jurídico, sobretudo por especialistas previdenciários, o DJ conversou com o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro. Ele é diretor de Atuação Judicial do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e atuou neste caso, inclusive com sustentação oral no julgamento da semana passada no STF, como Amicus curiae – amigo da corte é um instituto do Direito definido pela participação de um terceiro no processo, com o objetivo de contribuir com informações e estudos fundamentados sobre o tema.

Advogadas de Limeira, Elaine Medeiros e Audrey Giorgetti, que também é professora do curso de Direito do Isca Faculdades, integram o IBDP.

Confira a entrevista:

A Lei 9.528/1997 excluiu a proteção previdenciária da pensão por morte ao menor sob guarda, sob a justificativa de inibir fraudes, como familiares que pediam acesso à pensão da criança. Isso ocorria com frequência?
Esse foi um dos fundamentos utilizados pelo ministro Gilmar Mendes, relator do processo, dizendo que havia essa alegação feita pelo INSS, de uma quantidade grande de fraudes, e que segundo o próprio ministro “houve desvio de finalidade”. O correto, no entender dele, é o não enquadramento do menor sob guarda. No voto dele, ele junta um parecer de número 53, de 1997, do Senado, justamente para tentar mostrar que essa medida visava o alcance do equilíbrio financeiro. O grande absurdo desse fundamento está na própria defesa da AGU, na folha 284 do processo, dizendo que de 2003 a 2018 tiveram 10.574 casos de processos de guarda indeferidos, média 660 por ano ou 55 por mês. Isso não faz nem cócegas no orçamento da receita, da movimentação do INSS. Em abril, foram indeferidos 373.461 benefícios. Os 55 da média mensal, equivalem a 0,014% dos benefícios indeferidos. Então, uma justificativa leviana, porque tanto no voto quando no documento do INSS não foi apresentado nenhum estudo financeiro em relação a fraude. Nem todos os benefícios, desses 55, têm fraude.

A lei previdenciária conflitava com o Estatuto da Criança e do Adolescente? Como esse embate chegou ao STF?
Logo que surge a Previdência Social, o menor sob guarda não fazia parte do texto original. Mas em 1966 ele entra no texto, sendo que o menor sob guarda, o menor tutelado e o enteado passam a ter pensão por morte. Em 1997 ele sai do texto, por meio de uma nova legislação. Só que em 1990, quando veio o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 33 parágrafo 3º, ele permite à criança e ao adolescente direito à pensão por morte. Então, enquanto o parágrafo 2º do artigo 16, da Lei 8.213, depois com a alteração em 1997 que retirou ele, desde 1990, com o início do Estatuto, essa situação já era prevista. Sem falar que o Brasil é signatário desde 1990 da convenção internacional sobre os direitos da criança e ela, desde 1959, teve homologação pela ONU. O Brasil demorou 31 anos para poder ser signatário. Também, no artigo 26, item número 1, dessa convenção, estabelece o direito da previdência social às crianças, não às sob guardas. Mas no artigo 2º dessa mesma convenção, diz que não se poderia fazer nenhuma diferenciação entre crianças dependentes biológicas ou não. Teríamos de um lado o ECA e a convenção internacional, além da Constituição, que trata em alguns pontos sobre o direito da priorização das crianças e dos adolescentes.

Qual foi o entendimento do STF sobre a questão? Após tantos anos de discussão, a decisão foi justa, na sua opinião?
O resultado foi 6 votos a 5, pelo deferimento do recurso, no sentido de que a interpretação tem que ser extensiva ao menor sob guarda – interpretação do parágrafo 2º do artigo 16. Então, não há distinção nenhuma do menor sob guarda, do menor tutelado e o enteado.
O voto de divergência foi aberto pelo ministro Edson Fachin e seguido por outros cinco ministros. A ministra Rosa Weber também apresentou voto. Foram dois contrários. Bastava um, mas ela fundamenta e traz um pensamento um pouco diferente do ministro Edson Fachin, mas ambos com o mesmo objetivo.

A decisão do Supremo alcança também a Emenda Constitucional 103, que reformou a Previdência Social no ano de 2019? Como fica esse entendimento?
O ministro Fachin disse que ele não entraria no mérito, se abrange ou não, porque não foi o objeto do processo. A minha dúvida e o meu ressentimento foi quando eu ouvi o voto do ministro Gilmar Mendes é que ele faz uma analogia à Emenda Constitucional, dando até respaldo para que o entendimento fosse pelo afastamento do direito do menor sob guarda. Então, aqui a gente consegue ter uma sobrevida em relação à Emenda Constitucional. O fato de ter passado o menor sob guarda, objeto do processo que estava tramitando no Supremo desde 2012, não nos dá garantia nenhuma de que o entendimento permanece com a Emenda Constitucional, mas é um indício de posicionamento do STF, que nada impede também que aqueles cinco ministros que votaram contra, alguns entendam que esse texto é inconstitucional no pós-reflexão. Então, vejo com bons olhos porque garantimos o direito das crianças e adolescentes sob guarda e também encaminhamos uma boa consequência da Emenda Constitucional, especificamente o problema se dá no parágrafo 6º do artigo 23, onde restringe os equiparados a filho ao menor tutelado e ao enteado, reprisando a redação do párágrafo 2º do artigo 16.

Na prática previdenciária, qual o efeito desta decisão do STF? O INSS deve ser acionado para assegurar todas as pensões devidas desde o início da vigência da lei?
Agora, o próximo passo é o ministro Edson Fachin fazer o voto final, apresentar em plenário, será apresentado às partes; abre-se prazo para embargos de declaração, decidido e, caso contrário, passa a ter efeito a todos os processos que estão em andamento.
No INSS, internamente deverá sair uma ordem de serviço, alguma normativa para adaptar o entendimento a esse precedente do STF. Muito provavelmente, ficará restrito aos óbitos que ocorreram até o início da vigência Emenda Constitucional, que é 13 de novembro de 2019.
Os óbitos posteriores, muito provavelmente, o INSS seguirá indeferindo em situações como essas.

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