Diante do fechamento das escolas e de outros espaços importantes para a construção de vínculos de confiança com adultos fora de casa, crianças e adolescentes ficaram ainda mais vulneráveis à violência sexual durante a pandemia da covid-19, alertam o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo. Esse foi um dos achados do estudo produzido pelas três organizações, que teve como objetivo verificar os possíveis impactos do isolamento social na ocorrência e na notificação da violência sexual e dar visibilidade a este grave e recorrente problema e à necessidade de avançar no enfrentamento. Foram analisados dados quantitativos sobre ocorrências de estupro de vulnerável registradas pela Polícia Civil do Estado de São Paulo entre janeiro de 2016 e junho de 2020. Os dados foram obtidos mediante solicitação do Ministério Público à Secretaria de Estado da Segurança Pública.
De acordo com o estudo, as denúncias de estupro de vulneráveis – aqueles cometidos contra menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou que não podem oferecer resistência por outra causa ou condição de vulnerabilidade, como embriaguez – vinham crescendo nos últimos anos, mas, no primeiro semestre de 2020, apresentaram redução significativa (-15,7%), sobretudo nos meses de abril (-36,5%) e maio (-39,3%), em comparação ao mesmo período do ano anterior. No entanto, alertam as instituições, a redução dos registros de um crime que vitima sobretudo crianças e adolescentes e que ocorre majoritariamente em ambiente doméstico evidencia a dificuldade de denunciar esses crimes no contexto de isolamento social e não a sua efetiva diminuição.
No primeiro semestre de 2020, período em que se iniciou a pandemia, a proporção de crimes deste tipo ocorridos em residências do Estado de São Paulo foi de 84%, tendo chegado a 88% no mês de maio, superando o patamar de 79% observado ao longo dos anos anteriores. Acometendo em sua maioria crianças, este crime correspondeu a 75% do total de estupros registrados no Estado de São Paulo no primeiro trimestre.
“Nossa hipótese – de que os estupros não diminuíram, mas as denúncias sim – leva à triste constatação de que há um grande número de meninas e meninos que foram ou estão sendo vítimas de violência sexual, ocultos pela ausência das denúncias”, sustenta o relatório.
Perfil das vítimas e autores
83% das vítimas são do sexo feminino e possuem até 13 anos, padrão que não se altera ao longo do período analisado. 60% são brancas e 38% negras, seguindo aproximadamente o perfil racial da população paulista. O pico dos abusos contra meninas ocorre aos 13 anos e contra meninos, mais cedo, entre 4 e 5 anos.
Em média 7% das vítimas possuem algum tipo de deficiência ou outra vulnerabilidade, sobressaindo a deficiência intelectual.
A informação sobre vínculo entre autor e vítima está disponível para apenas 8% do universo de ocorrências registradas. Para estes 8%, há parentesco em 73% dos casos registrados no primeiro semestre de 2020. Considerando que para 79% do total de casos há indicação de autoria, entende-se que a alta participação de parentes e pessoas conhecidas na prática desses crimes deve se estender para o universo das ocorrências registradas, conforme padrão indicado por outras pesquisas.
Recomendações
Entre as medidas para o enfrentamento da violência sexual, as organizações alertam para a responsabilidade do Poder Público em oferecer o atendimento quando necessário e os meios para a correta identificação desses casos, desenvolvendo campanhas de sensibilização, ampliando canais virtuais de denúncia, oferecendo capacitação continuada aos atores que atuam no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e ampliando a rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência.
No contexto da pandemia, é preciso que as instituições do sistema de garantia de direitos se preparem para atender às vítimas mantidas ocultas pela pandemia, ou seja, os serviços têm que estar preparados para lidar com um número possivelmente maior (acumulado) de casos.
As organizações também chamam a atenção para a necessidade de que os atores do sistema de Justiça e de Segurança Pública estejam capacitados a lidar com um atendimento humanizado à vítima para que ela não seja revitimizada pelo sistema. “As instituições diretamente responsáveis pelas medidas de proteção de crianças e adolescentes – conselhos tutelares, polícias, sistema de justiça – precisam ter atenção especial para procurar e proteger as vítimas mantidas ocultas pela pandemia, especialmente as que ainda estão expostas a risco. (…) Essas crianças e adolescentes não devem ser revitimizados ou expostos. São meninas e meninos que precisam de acolhimento, cuidado e que seus direitos sejam garantidos”, recomendam as instituições.
A análise completa está disponível neste link: https://bit.ly/estuprosvulneráveis
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