Os 100 dias de Joe Biden

por Leandro Consentino

Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos da América em um contexto bastante polarizado, onde, após a desastrosa passagem de Donald Trump pela Casa Branca, esperava-se apenas que ele retomasse a normalidade perdida, estabilizando o governo e, quiçá, a sociedade daquele país.

Ao lidar com o maior desafio dos últimos tempos – a pandemia de covid-19 – Biden foi muito além e demonstrou grande capacidade de liderança e administração: aplicou 230 milhões de doses e já lançou um pacote trilionário de estímulo à economia, focando sobretudo o desenvolvimento sustentável.

Além disso, reverteu uma política externa desastrosa do antecessor, retomando a participação no Acordo de Paris e na Organização Mundial da Saúde, alterando a política de imigração com muçulmanos e mexicanos e marcando um importante distanciamento com a Rússia de Putin. Tudo isso em apenas 100 dias, a marca histórica que outro democrata, Franklin Roosevelt, consagrou para medir o primeiro impacto de uma administração.

Seu discurso, dirigido ao Congresso dos Estados Unidos – no mesmo prédio simbolicamente atacado pelos trompistas que não aceitaram sua eleição – trouxe importantes elementos. O primeiro deles foi o fato de ser iniciado com a saudação “a senhora vice-presidente e a senhora presidente da Câmara”, a que Biden acrescentou: “Nenhum presidente jamais proferiu essas palavras nesta tribuna. Nenhum presidente jamais proferiu essas palavras, e já estava na hora”.

Para além da questão de gênero, Biden também tocou em uma chaga ainda mais profunda da atual sociedade norte-americana: o racismo. Carregando no componente emocional, o presidente norte-americano que já foi vice de Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, fez uma importante analogia com o assassinato de George Floyd: “Todos nós vimos o joelho da injustiça no pescoço da América negra.” E arrematou: “Não vamos ignorar o que nossas próprias agências de inteligência afirmaram: a ameaça terrorista mais letal à pátria hoje é o terrorismo de supremacia branca.”

O discurso igualmente cuidou de “vender” seu pacote de estímulo, denominado American Jobs Plan, fortemente inspirado no New Deal de Roosevelt, uma vez que lastreado em obras de infraestrutura e geração massiva de empregos. Tudo isso, diga-se, pautado em responsabilidade fiscal e elevação de impostos sobre os mais ricos, inclusive prometendo aumentar o cerco aos sonegadores e acenando para a classe média daquele país.

Para finalizar, o corolário foi a defesa das instituições democráticas frente ao avanço do populismo que vicejou na Era Trump e ainda dá as cartas em diversos locais do mundo, inclusive no Brasil de Bolsonaro. As palavras finais de Biden foram tão contundentes quanto sintomáticas de sua nova administração: “Eles estão errados. E temos que provar que estão errados. Temos que provar que a democracia ainda funciona.”

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

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