O STF e a CPI da Covid-19

Por Edmar Silva

Os atos e omissões do governo federal no combate à pandemia da Covid-19 receberam críticas dos mais variados setores da sociedade, resultando na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal com o objetivo de apurar os fatos, incluindo eventuais irregularidades nos repasses de verbas federais para estados e municípios.

Desde o início os trabalhos da CPI se mostraram tumultuados e até o momento houve a provocação do Poder Judiciário para as seguintes finalidades: (i) impor ao Presidente do Senado a obrigação de instalar a CPI; (ii) tentar impedir que um senador cujo filho exerce cargo de governador estadual fosse designado relator da CPI.

Quanto à ordem para instalação da CPI imposta ao Presidente do Senado, tem-se como acertada a decisão da Suprema Corte. Com efeito, a Constituição Federal (CF) prevê que as CPIs serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros do Senado, para apuração de fato determinado e por prazo certo (art. 58, §3º).

E tais requisitos estavam presentes, razão pela qual, assim agindo, o STF nada mais fez que ordenar ao Presidente do Senado o imediato cumprimento do texto constitucional.

Mas, sobre a designação do relator da CPI, não parece igualmente escorreita a decisão do STF, pois a Corte se esquivou de analisar o pedido, alegando que poderia haver invasão na esfera de competência do Senado Federal (questão interna corporis).

No entanto, com o devido respeito, seria o caso de o STF agir para evitar flagrante ilegalidade.

O art. 58, §3º, CF, confere às comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação típicos das autoridades judiciárias, sem prejuízo de outros poderes previstos no regimento interno de cada Casa Legislativa, o que significa a equiparação dos membros da CPI aos juízes de direito, aplicando-se lhes, por consequência, todas as regras processuais pertinentes.

Inclusive, esse é o teor do art. 153 do regimento interno do Senado Federal, que dispõe especificamente sobre as comissões parlamentares de inquérito: nos atos processuais, aplicar-se-ão, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal. E o mencionado Código veda a atuação do juiz em processo que tenha seu próprio filho como parte diretamente interessada (art. 252, inciso IV).

Ora, se aos membros da CPI são conferidos poderes semelhantes aos magistrados e se o objeto da CPI foi ampliado para análise dos repasses de recursos federais aos demais entes federados (estados e municípios), verifica-se, com base nas normas já citadas, não ser admissível que o relator da CPI seja pai de um governador estadual, pois este último pode sofrer os efeitos da apuração realizada pelo primeiro.

Nessa hipótese, portanto, há inequívoco impedimento legal para esse Senador ser designado relator da comissão e por isso o STF deveria ter agido com a finalidade de controlar tal ilegalidade.

Assim, em que pese o acerto na decisão acerca da instauração da CPI, em relação à designação do relator da comissão, a Suprema Corte deixou a desejar.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado no exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

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