O que esperar da CPI da Covid?

Por Amilton Augusto

O tema do momento e que tem gerado muita polêmica é a Comissão Parlamentar de
Inquérito que visa apurar omissões no enfrentamento à pandemia da Covid-19, vulgarmente denominada de CPI da Covid, que, proposta no Senado Federal com assinatura de 33 senadores, ficou parada, por indevida e ilegal decisão do atual Presidente da Casa, necessitando de uma determinação do Supremo Tribunal Federal para que fosse recebida e determinado seu prosseguimento, o que, para facilitar o entendimento, nos exige uma explanação acerca de iniciativa, legitimidade e processamento.

No Brasil temos três Poderes, que, tecnicamente, podem ser entendidos como funções, uma vez que o Poder é uno e do povo, exercido por representação, sendo então o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. No presente texto vamos nos ater ao Poder Legislativo, cumprindo destacar que, de modo bem singelo, o Poder Executivo executa as políticas públicas e administra a máquina administrativa, enquanto que o Poder Executivo legisla e fiscaliza a atuação daquele, ou seja, além da função primordial que é criar leis, cumpre ao Poder Legislativo a função secundária de fiscalizar e investigar a administração pública, tendo como um de seus instrumentos a Comissão Parlamentar de Inquérito.

Conforme previsão da Constituição Federal de 1988, “as comissões parlamentares de inquérito [CPI], que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço dos seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal ou infratores”.

Assim, a CPI nada mais é do que uma investigação realizada pelo Poder Legislativo, que se insere dentro da função fiscalizatória do trabalho do Poder Executivo, que deve apurar fato certo e por tempo determinado, ou seja, não pode uma CPI que apure fato genérico (corrupção, inflação, etc.), nem que não tenha prazo para encerramento e, como afirma a Constituição, não depende de decisão política para abertura, devendo ser iniciada mediante requerimento de um terço dos membros da Casa Legislativa, portanto, no caso do Senado necessária a assinatura de pelo menos 27 membros.

Desse modo, diversamente do que se afirma, especificamente no caso da CPI da Covid, não houve qualquer interferência indevida do STF na decisão do Senado Federal, tendo em vista que havia no pedido protocolado de abertura da referida CPI a assinatura de 33 senadores, objeto determinado para investigação (omissões no enfrentamento à pandemia) e tempo certo para encerramento (90 dias), como exige a Constituição Federal no parágrafo 3º do artigo 58.

A CPI possui poderes de investigação próprios de juízes, além de outros poderes
estabelecidos pelo Regimento da Casa Legislativa que a processará, embora não tenha poder de julgamento, ou seja, os poderes são de condução dos procedimentos de investigação, não tendo poder de aplicar punição, nem sequer de determinar prisão em decorrência das apurações, podendo, no entanto, determinar a prisão em flagrante, nos casos de falso testemunho ou descumprimento de alguma determinação, além da possibilidade de requisitar documentos ou informações de órgãos públicos, convocar autoridades para prestarem depoimentos, etc.

Para que se afaste qualquer controvérsia ou polêmica acerca da decisão do STF, cumpre destacar que as CPIs, como dito acima, são instrumentos constitucionais, de caráter vinculado, que podem ser utilizados por deputados federais e senadores, extensível aos Estados e Municípios por simetria, que visa apurar fato relevante relacionada ao interesse público, cujo prazo de investigação deve ser previamente informado, sendo sumário (inicialmente 90 dias), sendo necessário apontamento de fato ilícito determinado e tendo no mínimo um terço de assinaturas em qualquer das Casas. Além disso, as Comissões podem ser mistas (CPMI), ou seja, compostas por representantes de ambas as Casas do Congresso Nacional (Deputados e Senadores), caso em que, além das 27 assinaturas necessárias dos senadores, faz-se necessário apoiamento de pelo menos 171 deputados federais (exatos 1/3 de membros da Câmara).

Aberta a Comissão Parlamentar de Inquérito que, como dito, não exige avaliação
discricionária do Presidente da Casa, os partidos devem indicar os membros que comporão a comissão, quando então é feita a efetiva instalação da mesma, a partir de quando será dado início ao procedimento investigatório e poderá ser colhidos os depoimentos de testemunhas e tomadas as informações acerca do objeto da investigação, além de diversas diligências típicas de autoridade judiciária, como audiências externas, quebras de sigilo e convocações de autoridades, medidas essas que dependem de aprovação pelo Plenário da Casa legislativa, no caso da CPI da Covid, do Senado Federal.

Ao final da instrução do procedimento, não há qualquer aplicação de penalidade, uma
vez que a Constituição Federal não previu tal possibilidade, devendo, então, ser elaborado relatório final, de responsabilidade exclusiva do relator da comissão, onde serão apontadas as conclusões da investigação, os supostos responsáveis e sugestão de responsabilização, sendo direcionada, a partir de então, às autoridades competentes e com atribuição para tomada de providências, como no caso o Ministério Público (PGR, MPF, MPE) e, ainda, os Tribunais de Contas (TCU e TCE).

Desse modo, embora não seja o momento adequado para qualquer medida que não a união de esforços em torno do enfrentamento da pandemia, dada a urgência que as medidas exigem, a CPI pode servir mais como um instrumento intimidatório e de pressão política para tomada de decisões, não havendo, no entanto, qualquer motivo para temor, se não houve irregularidade na condução das políticas públicas, uma vez que esta não tem poder decisório, mas sim investigatório e opinativo, devendo direcionar as conclusões dos trabalhos aos órgãos do Ministério Público com atribuição para ingresso das medidas cabíveis, sejam elas criminais ou cíveis (improbidade administrativa), além do que, as apurações não estão adstritas ao objeto principal inicial da apuração, podendo se desdobrar em inúmeras outras investigações e procedimentos, inclusive CPIs, em níveis estaduais e municipais. Que a condução seja isenta e aguardemos os desdobramentos.

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.