O papa é pop

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Em 1989, logo após a queda do muro de Berlim, um filósofo e economista político americano ficaria famoso. Não por ter lançado algo inusitado em sua área ou por ter feito algo benéfico que mudaria a humanidade, mas por uma afirmação polêmica e que poderia ter ficado na História, mas há dúvidas sobre isto.

Yoshihiro Francis Fukuyama publica um artigo de nome “O Fim da História”. Fukuyama deixa claro que o fim do socialismo no leste europeu e o colapso da União Soviética significavam um trunfo decisivo na luta de classes. Era, para ele, literalmente a vitória do capitalismo.

Defendia que a tese do socialismo naufragou e que não havia nada semelhante que poderia dar prosseguimento a história de divisão de classes. A consolidação do capital era uma questão de ajustes. Entre estes ajustes, uma política econômica mais agressiva, que não deixasse lacunas e fragilidades.

Para o filósofo e outros analistas, sobreviveria no mundo quem compreende-se uma política global. Ou seja, era preciso abandonar os nichos e as prioridades periféricas e nacionalistas. E mais, o que serve para João serve para José, nem que fosse a marra. E aí vai surgir o neoliberalismo.

Um liberalismo reformado que teve início com Margarete Thatcher na Inglaterra. Pressupunha que o mais forte e competente teria vida. O contrário a ele, a morte. Nesta teoria, tudo valia. Destruir o meio ambiente, desafiar convenções e legislações sobre soberania e autonomia dos Estados, das nações. O mais forte economicamente fica no topo e coloca aos seus pés os derrotados.

Assim o ser humano vai se tornar um escravo desta tese arrasa-quarteirão. Uma frase que ficou famosa nos anos 90 ilustra o que estamos dizendo. “Pagando bem, que mal tem?”, um carma naqueles anos, algo de estimular a competição a qualquer preço. Tudo valia para conquistar o mundo.

Empresas e setores inteiros quebraram seus trabalhadores desempregados. Bolsões de pobreza e miséria foram crescendo, criando cenários de terror por onde se andava. A natureza dava lugar para o efeito estufa, poluindo o ar. Nossas florestas vão ser derrubadas e em seu lugar o concreto e o roubo das riquezas naturais ganham espaço.

O ser humano se fecha em si, suas obsessões e ganâncias. O Eu se coloca acima do nós. O rico cada vez mais rico. O pobre cada vez mais pobre. A teoria do Fim da História foi um engodo, uma farsa, um conto de fadas transformado em filme de terror. Um terror que faz no século XXI ressurgir a extrema direita, o discurso de ódio, o nazifascismo.

É neste quadro de desalento, desesperança que o Papa Francisco inicia seu mandato.

A herança negada por Francisco

Em 2013, o mundo estava em ebulição como dissemos acima. Guerras pareciam ser preparadas para estourar e crises econômicas sucessivas aumentavam as expectativas negativas de crescimento da distribuição de renda. Na Igreja Católica, os reflexos desta crise não só batiam a porta como já tomava por inteiro suas estruturas.

O papado de João Paulo II tinha trancado a igreja a sete chaves para um diálogo ecumênico, plural e de avanços nas relações com os pobres e oprimidos. Até Francisco, o Catolicismo criava uma casta, onde a cúria e o clericalismo estavam no alto da pirâmide de poder. João Paulo II travou as mudanças iniciadas no Vaticano II.

Como dissemos, o diálogo com o diferente e o abrir de portas aos rejeitados desta terra foram cessados. A burocracia e o centralismo tomaram conta a partir de Roma. João Paulo tinha viés populista, tanto que foi o papa que mais visitou países na História. Mas este viés caminhou para um assistencialismo remendado e não de solucionar a estrutura que cria os problemas.

O pontificado do polonês viu o catolicismo perder milhões de fiéis e o pentecostalismo crescer. A Igreja de Roma decidiu disputar o rebanho que se foi e garantir o que ficou com um retorno ao conservadorismo. Porém, não freou a catástrofe e viu crescerem escândalos propiciados pelo poder adquirido pelo clero.

Os escândalos de corrupção e de pedofilia aumentaram a retirada de fiéis. Vertentes progressistas, como a Teologia da Libertação, foram perseguidas e, em alguns casos, banidas da Igreja. A opulência e arrogância do Vaticano eram nítidas.

O breve mandato de Bento 16 ilustrava esta situação. E esta foi a herança do Papa Francisco.

O papa dos excluídos

Jorge Mario Bergoglio, em 2013, durante o conclave, talvez não imaginasse o que a ele estaria destinado. De acordo com especialista nas coisas do Vaticano, o argentino não figurava como favorito e entre os que podiam vencer.

Aliás, a eleição daquele ano foi uma das mais difíceis e longevas da história dos papados. Se torna papa pelas regras milenares da Igreja quem obter dois terços do colégio formado por 135 cardeais. 

Quando a fumaça branca sai pelas chaminés da sede do Vaticano é porque se chegou um acordo. A surpresa foi imensa ao ver na sacada do palácio um argentino como papa. Foi a primeira vez na história que um latino-americano ascendia ao trono de Pedro.

A eleição por si só mostrava que os cardeais podiam estar querendo mudanças. Como disse Francisco em um de seus discursos, a igreja foi buscar no quinto mundo seu Papa.

A segunda novidade foi a escolha do nome do santo mais conhecido na terra. São Francisco. A santidade que inaugurou, segundo o papa argentino, a era de uma Igreja dos pobres e excluídos. Uma frase ficou bem visível das centenas delas que Francisco proferiu.

Abdicar da riqueza e dividi-la com quem nada tem é uma dádiva de todas as gentes.

Para Francisco, não é possível que possamos tolerar a miséria. Não se pode concordar com isto, é um pecado capital, dizia ele. Suas ações não fugiam deste princípio.

As primeiras atitudes foram abrir mão do luxo e opulência da cúria romana, a começar por ele. Mandou vender a frota de carros, foi morar em uma hospedaria, e não no palácio papal. Combateu com todas as forças a corrupção no clero no banco do Vaticano. Não tolerou as denúncias serias de pedofilia. Afastou do exercício sacerdotal vários destes pedófilos.

Suas ações buscaram reaproximar a igreja dos pobres e excluídos. A defesa da maior participação das mulheres na Igreja e a repulsa pela discriminação e violência contra elas. A novidade no discurso de um Papa foi em relação à comunidade LGBTQI+. Embora não tenha feito falas de aceitação da condição de gênero, abre as portas da igreja para o engajamento da comunidade.

Sua defesa do que chamava de a mãe terra, denunciando a destruição dela, foi fundamental. Para Francisco, defender a Terra é preservar a vida. Sua relação com a imprensa era cordial, esfuziante e sem censura, admitindo a importância da comunicação.

O ecumenismo não foi só oratória. Textos oficiais e ações são provas deste abrir de portas. Francisco nos deixou esta semana, foi se encontrar com Deus. No entanto nos deixou um legado extraordinário. Não sabemos ainda qual o perfil do novo Papado. Mas a certeza é de que retroceder é apinhar a humanidade ao precipício da História.

A História não chegou ao fim, Fukuyama estava errado.

O exemplo espelho para as novas gerações é, sem dúvida, FRANCISCO, O PAPA DOS POBRES.

Um bom final de semana a todas, todos e todes.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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