O novo Código Eleitoral e o factoide da legalização das candidaturas coletivas

por Amilton Augusto

Um tema muito discutido nas últimas eleições, que agora vem, em tese, “regulamentado” no Novo Código Eleitoral, é o denominado candidatura/mandato coletivo, em que pessoas se unem em torno de uma candidatura e, posteriormente, em torno de um mandato, seja para o legislativo, como para o executivo, razão pela qual temos ouvido a expressão codeputado(a), covereador(a) e, até mesmo, coprefeito(a), atos que deixam no ar o questionamento acerca da legitimidade/legalidade de tal instituto, seja perante à Justiça Eleitoral, no que tange ao registro das candidaturas coletivas, seja para o exercício do mandato coletivo.

Por certo que se trata de evidente estratégia político-eleitoral, muito bem articulada e inteligente, que facilita em muito a viabilidade de uma candidatura, uma vez que, na prática, há a união de esforços em torno de um(a) único(a) candidato(a), onde os ditos cocandidatos(as) são, na verdade, cabos eleitorais/apoiadores/correligionários considerados especiais, que não recebem para trabalhar em prol da candidatura tão somente, mas cuja promessa é a de ter participação efetiva no mandato, ou seja, ser o co-titular do mesmo.

O problema é que a regulamentação não supre problemas de ordem legais que estão no entorno da candidatura em si, seja no que diz respeito ao próprio registro, seja quanto o exercício do mandato, que, por ser ato personalíssimo, e assim continua no Novo Código, poderá, em alguns casos, desbordar para a ilegalidade, o que sempre exigiu muita cautela dos envolvidos, embora acabou se tornando uma prática corriqueira em alguns parlamentos e, até mesmo, em mandatos majoritários.

Pelo texto trazido no Novo Código Eleitoral, que passa, como dito, em tese, a reconhecer as candidaturas coletivas, conceitua tal instituto como a “exteriorização de uma estratégia voltada a facilitar o acesso dos partidos políticos aos cargos proporcionais em disputa”, ou seja, em verdade o que o projeto faz é, tão somente, reconhecer que o instituto existe, mas não se preocupa com todas as questões correlatas, em especial os demais artigos que tratam de ilícitos na propaganda e, inclusive, mantém o registro de candidatura de um único candidato, além do que a candidatura registrada deverá trazer o nome do candidato e do grupo ou coletivo social que o apoia. Em regra, continua tudo como antes.

A prova de que nada mudou, ou melhor, que irá criar ainda mais conflito judicial, é que, em caso de vacância do cargo, quem assume é o suplentes, e não o outro eleito pelo coletivo (cocanndidato), o que mantém incólume as diretrizes do sistema proporcional, deixando, inclusive de se exigir a filiação partidária dos envolvidos, situação que dependerá de opção política do partido, vez que o estatuto partidário que poderá autorizar a adoção de tal modelo e exigir ou não a filiação de todos. Em suma, repito, o Novo Código não faz nada além de reconhecer a existência das candidaturas coletivas, sem resolver os problemas legais que isso representa. Explico.

O problema da candidatura coletiva, que há muito já existe na prática, não está na nomenclatura, sendo este o mais relevante dos detalhes, mas, sim, nos atos praticados durante a campanha eleitoral, bem como, e mais grave, naqueles praticados durante o exercício do mandato, por aqueles que não foram eleitos para tal, uma vez que se trata de direito personalíssimo, o que poderia tornar essa espécie inteligente de prática de marketing eleitoreira, em verdadeiro caso de desvio da legislação eleitoral em desequilíbrio do próprio pleito, o que ainda entendo que seja. Em verdade, guardadas as devidas proporções, trata-se de evidente desproporcionalidade para a disputa eleitoral, tendo em vista que, metaforicamente falando, coloca-se um time de 12 para jogar contra o time de 1 único jogador.

Um problema grave dessa prática é específico às campanhas eleitorais, seja pela forma em que as candidaturas coletivas se apresentam, ou, até, muitas das vezes, pela nomenclatura utilizada, o que incidia na prática de diversos ilícitos eleitorais, dentre os quais as previsões constantes dos artigos 3º, 42 e seguintes, 95, 242 e 323, do atual Código Eleitoral, bem como do artigo 12, da Lei nº 9.504/97. A título de exemplo, os artigos 3º e 42 ss. do atual Código Eleitoral trata especificamente dos casos de alistamento eleitoral e registro de candidatura, quando afirma, o primeiro, que “o alistamento eleitoral deve respeitar as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade”, enquanto que o segundo trata dos requisitos para inscrição eleitoral, sendo essa de caráter formal e personalíssimo.

Por sua vez, a única celeuma solucionada pelo Novo Código Eleitoral acerca do tema diz respeito ao previsto no artigo 95 do atual Código Eleitoral, que deve ser cumulado com o artigo 12, da Lei n. 9504/97, e incide diretamente nas questões relacionadas ao uso de nomenclaturas como, por exemplo, “fulano do mandato coletivo”, “coletivo x”, trazendo expressamente a observação de que o registro do candidato pode ser feito sem o prenome, ou com nome abreviado, desde que não traga dúvidas quanto à sua identidade.  No mesmo sentido, o citado artigo 12 e seguintes, da Lei das Eleições, traz expressamente a obrigação de o nome apresentado no registro de candidatura conter o nome completo, podendo ser utilizada variações nominais até o máximo de três opções, estas que poderão ser o prenome, o sobrenome, o cognome, o nome abreviado, apelido ou o nome pelo qual é mais conhecido, não pode estabelecer dúvidas quanto à sua identidade. O inciso III do mesmo dispositivo traz a previsão da possibilidade do candidato ser registrado pela forma que é identificado pela sua vida política, social ou profissional.
 
Veja que, uma vez que a regra do atual Código contrariava a utilização de nomes relacionados a candidatura coletiva, as mudanças resolvem apenas essa questão específica, vez que, pela regra ainda em vigência, não havia justificativa plausível para que fosse deferido o registro de candidatura com termos como “fulano do mandato coletivo” ou “coletivo, etc.”, tendo em vista se tratar de uma característica que está extrapola os limites subjetivos do candidato, o que conduzia a uma responsabilidade da Justiça Eleitoral nessas aprovações, tendo em vista que o § 2º, do citado artigo 12, da Lei n. 9.504/97, exige expressamente que esta exija do candidato prova de que é conhecido por determinada opção de nome por ele indicado, quando seu uso puder confundir o eleitor. Por certo que, agora, teremos um conflito de normas entre a previsão do Novo Código Eleitoral e a regra constante da Lei das Eleições.

Não bastasse, outros pontos conduzem a polêmica, tendo em vista que a utilização de propaganda eleitoral e de nomenclaturas que se apresentem para a população como uma candidatura coletiva, em que um determinado cidadão, sem registro deferido, apresenta-se como candidato, por certo que pode ser considerado por ofensivo ao artigo 242, além do crime constante do artigo 323, ambos do atual Código Eleitoral (desconsiderando-se eventual revogação), tendo em vista que o primeiro proíbe que a propaganda eleitoral, de qualquer modalidade, utilize-se de meios destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais, enquanto que o último traz a criminalização da divulgação, na propaganda, de fatos que sabe inverídicos, capazes de exercerem influência perante o eleitorado.

Ainda no âmbito eleitoral, verifica de grande dificuldade de compatibilização a campanha realizada por quem não apresentou o registro de candidatura e, por consequência, não passou pelo crivo da análise de compatibilidades e das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade, situação na abarcada pelo Novo Código Eleitoral, podendo fazer com que, em evidente abuso de direito e desvio do processo eleitoral, determinado cidadão, que esteja inelegível, utilize-se de um candidato que esteja no pleno gozo dos direitos políticos e plenamente capacidade a ser votado, seja uma espécie de “laranja” de um mandato em desacordo com os ditames de moralidade e lisura das eleições.

    Desse modo, mesmo diante da suposta mudança do Novo Código Eleitoral no que tange ao instituto do mandato coletivo, tal medida não passou de mero reconhecimento de sua existência prática, uma vez que, embora haja a liberação do uso de nome relacionado ao coletivo (embora em conflito com a Lei das Eleições), a candidatura continua sendo individual e personalíssima, seja no que tange ao registro dos candidatos, seja no que tange ao exercício da propaganda eleitoral, bem como não há qualquer respaldo para o exercício do mandato pelos ditos comandatários, razão pela qual a previsão é de que teremos ainda mais conflitos relacionados ao instituto e a necessidade de atuação da Justiça Eleitoral para evitar ilegalidades e abusos, a exigir dos candidatos e partidos ainda mais cautela, pois, por acreditarem que estão amparados na legislação, no caso no Novo Código Eleitoral, poderão praticar desvios que estão em outras normas da legislação eleitoral, até mesmo crimes eleitorais ou, ainda, eventual prática de improbidade administrativa e crime contra à Administração Pública no exercício do mandato coletivo.

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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