O genocídio matou Dona Hermínia

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“Naquela mesa ‘tá faltando ela (ele)
E a saudade dela (dele) ‘tá doendo em mim”

O Brasil chorou e ainda chora pela morte da Dona Hermínia. Mãe, protetora de suas crias, tudo fazia (e faz) para garantir a segurança, a paz e a felicidade de seus meninos e meninas.

O macarrão feito e servido pela Dona Hermínia aos domingos era feito com lágrimas de alegria, ao saber que a garotada iria se fartar ao redor da mesa imensa, que, além dela, o maridão e os filhotes, sempre tinham os agregados que filavam a boia nestes dias especiais.

A Dona Hermínia organizava no Dia das Mães um panelaço de sua especialidade, porque sabia que esta data era sagrada, não para receber presentes, mas para celebrar o amor.

Antes, a senhora ia à igreja. Sim, agradecer por mais um Dia das Mães ao lado dos que amava. Aproveitava e pedia à Nossa Senhora, mãe de todos, que a ajuda-se a proteger todos os filhos do mundo da fome, da violência e nos 14 meses da Covid-19.

O almoço de domingo se prorrogava para a janta e no intervalo das refeições as conversas sobre a vida rolavam, com Dona Hermínia ora puxando as orelhas, ora distribuindo afagos. O carinho sobrava naquela senhora, inclusive para os agregados aqui citados.

O fruto do Dia das Mães era comentado pelo resto do ano e para ela, o prazer de lembrar deste momento, a levava ao paraíso.

Os beijos e abraços, de filhos e netos, a deixava tontinha de alegria, transbordando de esperança, pois mãe prefere ver filhos felizes do que ela própria.

Mas este ano não terá almoço das mães para Dona Hermínia.

Dias atrás, o vírus que mata milhares, pegou Dona Hermínia. Aliás, em toda a sua vida não envergou a coluna, como frisa o dito popular, nem em tempos de dinheiro curto ou ao adoecer de um dos filhos.

Mas o vírus da aglomeração a pegou e a colocou na cama, algo que ela fazia altas horas da noite, depois de cuidar de todos na casa, aí ela ia descansar.

Desta vez a super mãe encontrou sua kliptonita, que a derrubou, lhe tirou o ar literalmente.

Mesmo assim lutou por dias a fio. Queria viver mais um pouco. Ainda tinha muito o que fazer nesta terra. Os filhos dela, das amigas e de quem sofre precisavam dela, não era hora de ir.

Queria viver mais um Dia das Mães. Celebrar a homenagem da ativista americana das lutas das trabalhadoras, Ann Maria Reeves Jarvis, que organizou as mães operárias para combater a mortalidade infantil e uma data para refletir e também festejar a vitória da vida sobre a morte.

Mas Dona Hermínia não estará celebrando a vida. A face da morte personificada em uma doença propagada por péssimo governante venceu a forte e valente mãe.

Dona Hermínia foi derrotada, mas seu legado jamais será esquecido. Sua performance como divina mãe, aquela que não se dobra diante de uma injustiça aos que ama, será eternizado.


NOTAS
Dona Hermínia foi o célebre personagem do ator Paulo Gustavo, morto esta semana, vítima da Covid-19;

Ann Maria Reeves Jarvis, ao criar o Dia das Mães, como é conhecido por nós, o fez também em homenagem a sua mãe falecida;

Este texto, talvez um lamento, é uma homenagem não só ao brilhante ator Paulo Gustavo, mas a todas as Donas Hermínias deste País;As que moram nos céus e as que ainda preparam a macarronada de domingo.

Dedico este texto a todas as mães trabalhadoras deste país e em especial à senhora Bondade, minha mãe Dona Rita, que hoje deve estar em um papo pra lá de divertido com a Dona Hermínia.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor, consultor político e cultural

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