O fornecimento de “kits anti-covid” pelos empregadores e os possíveis reflexos desta prática

Por Alisson Busso

Diversos países do mundo, como Israel, Estados Unidos da América, China e integrantes do Reino Unido estão aplicando vacinas “em massa” contra o vírus que mudou a maneira de viver dos seres humanos.

Em contrapartida, apesar do Brasil se encontrar em 5º lugar no número absoluto de vacinas aplicadas neste mês de abril, sua posição no ranking global cai para 73ª entre 166 nações e territórios se compararmos “total de doses X o total da população”.

A lentidão e falta de entendimento entre os entes municipais, estaduais e federal, cumulado com a incerteza de quando teremos toda a população vacinada, e, consequentemente o “controle” da doença causada pela COVID-19 têm causado um estado de pânico nas pessoas.

Assim, diversas empresas de todos os portes e ramos têm buscado substituir o dever do Estado com o fornecimento de alternativas para acelerar o processo de controle e prevenção da doença, iludindo-se ao imaginar que uma nova prática não adotada mundo afora prevenirá a contaminação dos funcionários e a proliferação do vírus no ambiente de trabalho e em seu círculo familiar.

Neste contexto, há notícias se multiplicando sobre empregadores privados que estão montando “kits anti-covid” e fornecendo aos seus funcionários, sem avaliar de forma mais ampla os impactos que esta prática pode causar na saúde dos trabalhadores e os riscos na responsabilização de tais atos, haja vista a ausência de base científica comprovada ou protocolo da OMS, Ministério da Saúde, ou qualquer outra autoridade de saúde que recomende tal prática.

Esses “kits” normalmente são compostos por alguns medicamentos que se encontram diretamente nas farmácias do país, sendo os mais comuns, polivitamínicos e ivermectina.

Todavia, se observarmos e termos como exemplo a ivermectina, a própria fabricante do produto, a farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD) sustentou em um comunicado oficial no dia 04.02.2021 que “não há evidências de que seu medicamento possui eficácia contra Covid-19”.

Desta feita, os empregadores que buscam tais medidas estão automaticamente atraindo para si um relevante risco de afetarem diretamente a saúde de seus colaboradores e sofrerem ações coletivas, individuais e públicas, podendo gerar a responsabilidade civil da empresa, danos morais e materiais, e sofrer intervenção dos Sindicatos e do Ministério Público do Trabalho.

Como evidência destes reflexos, apontamos um recente caso onde um Sindicato dos Trabalhadores de Londrina/PR tomou ciência que uma empresa agroindustrial estava fornecendo os “kit anti-covid” aos empregados e apresentou uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho, alegando que: “A divulgação em massa feita pela empresa sobre o tratamento preventivo da covid-19 não tem amparo científico, podendo, inclusive ocasionar efeitos colaterais graves. A empresa também não pode fazer propaganda da ivermectina para seus funcionários pois essa prática induz seus empregados a se utilizarem do referido medicamento sem que haja comprovada necessidade do seu uso.”

Ao avaliar a situação, o Ministério Público do Trabalho instaurou um Inquérito Civil e determinou à empresa:

“1. ABSTER-SE de, por qualquer meio, disponibilizar, fornecer ou incentivar o uso generalizado de qualquer tipo de medicamento com vistas à prevenção ou ao tratamento precoce da COVID-19 sem eficácia cientificamente comprovada e aprovação pelas autoridades sanitárias;
2. ABSTER-SE de prescrever medicamentos para trabalhadores(as) sem a devida consulta médica individualizada;
3. ABSTER-SE de, por meio do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – SESMT, divulgar a trabalhadores(as) processo de tratamento ainda não reconhecido científica e expressamente por órgão competente;
4. ENTREGAR ao sistema público de saúde da localidade todas as unidades de medicamentos adquiridas pela cooperativa com vistas à prevenção ou ao tratamento precoce da COVID-19 sem eficácia cientificamente comprovada e aprovação pelas autoridades sanitárias, a exemplo da ivermectina”

Ademais, os empregadores, ao fornecerem os “kits anti-covid” estarão sujeitos a sofrerem ações individuais, a serem analisadas caso a caso. Tais demandas podem estar fundamentadas em diversos efeitos incontroláveis dos medicamentos dos kits, como agravamento de doenças, mal-estar, problemas crônicos renais e de fígado, efeitos colaterais e óbitos.

Outrossim, a depender da maneira em que esses “kits anti-covid” são fornecidos, os obreiros podem reclamar na Justiça do Trabalho reparação por assédio moral, dentre outros danos causados, caso exista certa pressão do empregador para o consumo destas medicações.

Assim não resta outra alternativa às empresas privadas, senão seguir as medidas de prevenção cuja eficácia é reconhecida e têm aprovação das autoridades sanitárias, como: uso de máscaras; mantença de distanciamento mínimo entre as pessoas; contenção de aglomerações; higienização de mãos com água, sabão e álcool em gel 70% frequentemente; mantença de ambientes arejados; isolamento, de imediato, de paciente com sintomas ou contactantes de casos suspeitos e teletrabalho para funções compatíveis.

Se por um lado se vislumbra a boa-fé dos empregadores em fornecer “kits anti-covid” aos seus funcionários, os danos da prática podem ser de difícil reparação e ocasionar inúmeros problemas para ambos os lados, seja no âmbito da saúde ou da finança.

Infelizmente, em que pese a imunização atualmente ocorrer em velocidade abaixo do necessário em todo o país, e apesar das necessidades dos trabalhadores em receber medidas rápidas e eficazes para redução dos riscos do ambiente do trabalho, onde a vacinação é certamente o meio mais adequado, o aceleramento das medidas de prevenção com fornecimento de “kits anti-covid” por empresas privadas, sem um pronunciamento prévio dos Órgãos Reguladores, não é concebida como uma prática segura, pois trazem relevantes riscos de passivo trabalhista. Isso, pois, a Covid-19 se trata de questão de saúde pública, e como tal não cabe ao empregador

Esperamos que este cenário de incertezas e restrições mude nos próximos meses e que este “déjà vu” de 2020 que estamos vivendo no ano de 2021 se encerre, para então retomarmos ao nosso dia a dia entendido como normal e tenhamos os ambientes de trabalho saudáveis.

Alisson Busso é advogado no escritório Cláudio Zalaf Advogados Associados – alisson.busso@zalaflimeira.com.br

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