Município é condenado por reter mais de R$ 2,2 mi de empresa de apoio educacional

Ao reter valores (glosa) e execução de garantia contratual, totalizando R$ 2.282.071,86, sob o fundamento de suposto descumprimento de obrigações trabalhistas estimadas em R$ 906 mil de uma empresa que presta serviços de agente de apoio educacional no cuidado de crianças e adolescentes com deficiência na rede municipal de Araras (SP), o Município foi condenado.

A empresa impetrou mandado de segurança contra a secretária de Educação de Araras por ato supostamente ilegal após celebrar contrato administrativo. O caso teve atuação do advogado Marcelo Cheli, da Cheli Advocacia e Consultoria.

O defensor da empresa apontou ilegalidade da medida por não decorrer de rescisão contratual, conforme exigido pelo art. 80, IV da Lei 8.666/93, além da desproporcionalidade entre o valor retido e o suposto prejuízo. Por isso, pediu que fosse reconhecida a ilegalidade indicada.

O Município de Araras apresentou informações e defendeu a legalidade do ato ao reter valores de empresa, sustentando que a impetrante cobrava valores relativos a benefícios trabalhistas que não eram efetivamente repassados aos funcionários terceirizados, conforme documentos nos autos do processo administrativo.

O Ministério Público (MP) também se manifestou e, em seu parecer, apontou entre outros que a ilegalidade do ato não foi comprovada de plano, o procedimento administrativo sequer foi concluído e os documentos apresentados pela própria empresa demonstram irregularidades no pagamento dos encargos trabalhistas.

O caso foi julgado em novembro pelo juiz da 2ª Vara Cível, Matheus Romero Martins, que ressaltou, de início, que o objeto é a desconstituição do ato administrativo que determinou, sem respaldo legal ou contratual, a retenção de valores e a execução da garantia contratual, e não cobrança.

“A eventual devolução dos valores indevidamente retidos configura mero efeito secundário da invalidação do ato coator, não se confundindo com a cobrança vedada pela jurisprudência sumulada [Súmula 269 do STF]. Também não procede a alegação de ausência de direito líquido e certo. A controvérsia central dos autos é eminentemente jurídica, envolvendo a legalidade do ato administrativo que determinou medidas restritivas sem previsão normativa”.

Retenção de créditos do contratado

O magistrado lembrou que o princípio da legalidade administrativa, pedra angular do regime jurídico administrativo, estabelece que a Administração só pode fazer o que a lei expressamente autoriza, diferentemente do particular, que pode fazer tudo que a lei não proíbe. “Esta vinculação positiva à lei ganha especial relevância quando se trata de atos que restringem direitos do administrado, como é o caso da retenção unilateral de valores e execução de garantia contratual. A Lei 8.666/93, aplicável ao caso por força da regra de transição prevista no art. 190 da Lei 14.133/2021, disciplina de forma expressa as hipóteses e requisitos para retenção de créditos do contratado”.

O contrato também já estava encerrado por decurso do prazo quando da retenção (término em 17/05/2024), não tendo havido rescisão unilateral – que sequer seria possível após o término da vigência. Além disso, a autoridade determinou a retenção e a execução da garantia antes mesmo da conclusão do processo administrativo para apuração do efetivo prejuízo.

Desproporcionalidade ao reter valores de empresa

Também foi reconhecida a desproporcionalidade do valor retido, sem que o montante tenha sido confirmado em regular processo administrativo.

O juiz finaliza os fundamentos de sua decisão esclarecendo que o argumento de que a retenção teria natureza cautelar não se sustenta por três razões fundamentais:

“Primeiro, porque não há previsão legal para retenção cautelar após o encerramento do contrato. O poder geral de cautela da Administração Pública, quando exercido em prejuízo de direitos do particular, deve estar expressamente previsto em lei, em observância ao princípio da legalidade estrita [art. 37, caput, CF]. Segundo, porque medidas cautelares pressupõem proporcionalidade entre o meio e o fim, o que não se verifica quando o valor retido supera em mais de 100% o prejuízo estimado. A proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de Direito, exige adequação entre a medida adotada e o fim pretendido, sob pena de caracterização de abuso de poder. Terceiro, porque o ordenamento jurídico prevê instrumentos específicos para proteção do erário em situações como a dos autos, notadamente o processo administrativo para apuração do prejuízo e eventual ação judicial de cobrança, com possibilidade de tutelas provisórias se presentes seus requisitos. A utilização de vias transversas, sem amparo legal, caracteriza desvio de finalidade”.

Foi concedida a segurança para declarar a nulidade do ato administrativo que determinou a retenção de valores e a execução da garantia contratual, determinando a imediata liberação dos valores retidos e a devolução da garantia executada.

A decisão não impede que o Município, após a conclusão do processo administrativo em curso, busque a satisfação de eventual crédito pelos meios legalmente previstos, inclusive mediante ação judicial própria, desde que previamente demonstrado e quantificado o prejuízo em regular processo administrativo.

Foto: Banco de Imagens/CNJ

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