O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) reformou uma sentença da 1ª Vara do Trabalho de Limeira e reconheceu a morte de um trabalhador contaminado com Covid-19 em decorrência de atividade laboral. A vítima atuava num hospital que manteve convênio com o Município durante o pico da pandemia e, por isso, ambos terão de indenizar a viúva.
A vítima trabalhava no hospital desde 2016 e, durante a pandemia, exerceu a função de auxiliar de dispensação de medicamentos na Unidade de Referência Coronavírus (URC) em Limeira, a partir de um convênio entre o poder público e o hospital.
Em julho de 2020, o trabalhador passou por atendimento médico em seu próprio local de trabalho porque estava com dor de cabeça, febre, náuseas, fadiga, irritação na garganta e tosse esporádica já havia três dias. Medicado, foi orientado e afastado do trabalho por 11 dias.
A situação dele só piorou. Cerca de três dias depois, apresentava falta de ar e foi recomendado que fizesse o teste para detecção de Covid-19. No dia seguinte, estava com dispneia, chegou a ser internado na enfermaria, foi transferido para a UTI e em 26 de julho, diante da piora do quadro, foi submetido a intubação orotraqueal. No mês seguinte, em agosto, chegou a ser transferido para o Hospital das Clínicas da Unicamp, permaneceu em coma e não resistiu, falecendo naquele mesmo mês aos 29 anos.
Além do trabalhador, a esposa dele, gestante, também foi contaminada pela Covid-19, precisou passar por parto de urgência para, em seguida, ser intubada. A filha do casal nasceu enquanto o pai ainda estava em estado de coma.
Em 2021, a viúva ajuizou a ação trabalhista contra o hospital e contra o poder público e pediu indenização por danos morais e materiais, pois requereu o reconhecimento de que o desempenho das funções do marido foi a causa de sua doença que culminou com o óbito.
A defesa contestou a ação e apontou que a contaminação da vítima não se deu no ambiente de trabalho. Alegou que foi a mulher, que também trabalhava em outra unidade hospitalar, que possivelmente contaminou o trabalhador. “O empregado falecido atuava no setor de farmácia e não tinha contato direto com os pacientes, nem transitava pelo hospital, haja vista que os medicamentos eram retirados pelo enfermeiro ou técnico de enfermagem. Eram fornecidos todos os EPIs necessários ao trabalhador, e todos os protocolos de saúde e segurança eram exigidos e cumpridos”, defendeu-se.
O julgamento na Vara do Trabalho de Limeira ocorreu em 30 de maio do ano passado e a juíza substituta Fernanda Amabile Marinho de Souza Gomes julgou improcedente a ação. “Mesmo diante da difícil identificação exata de onde o trabalhador contraiu a doença, entendo que, a reclamada de desvencilhou do ônus de demonstrar que cumpriu as medidas cabíveis de higiene e segurança do trabalho, de onde se conclui que não houve o nexo causal entre o labor e a doença contraída pelo ‘de cujus’ e, consequentemente, reconheço o afastamento do nexo causal presumido e da caracterização de doença profissional, não fazendo jus o dever de reparabilidade”, decidiu.
RECURSO
Insatisfeita com a sentença, a viúva recorreu ao TRT-15 e o recurso foi analisado recentemente pelo desembargador e relator José Carlos Abile e, para ele, não ficou comprovado que foi a viúva que transmitiu a doença ao marido. “Não há, portanto, uma cronologia de fatos ou de sintomas que efetivamente demonstre que a reclamante transmitiu Covid-19 à vítima. Na verdade, a hipótese contrária é extremamente provável, tendo em vista que os sintomas de ambos ocorreram praticamente de forma concomitante. Afinal, é consabido que o tempo para a manifestação dos sintomas de Covid-19 pode variar, em média, de um a cinco dias a partir do contato. De se destacar, aliás, ser consabido que as grávidas são extremamente vulneráveis à Covid-19 devido às alterações em seu sistema imunológico, formando, por tal razão, um grupo de risco. Esta circunstância poderia, inclusive, levar reclamante a apresentar os sintomas da doença em primeiro lugar, ainda que contaminada pelo marido”, citou em seu voto.
O relator apontou também que não ficou comprovado o fornecimento regular e sistematicamente de EPIs ao trabalhador falecido – fichas de controle não foram apresentadas nos autos – e que uma das testemunhas apontou que as máscaras faciais fornecidas não eram as mais eficazes.
Ainda conforme o relator, mesmo que o trabalhador não atuasse diretamente no atendimento aos pacientes, o posto de trabalho dele era em frente à UTI, “na qual, evidentemente, eram tratados os casos mais graves, conforme, aliás, acabou acontecendo com ele próprio. […] Evidente, assim, que referida doença, até por força de lei, equipara-se ao acidente de trabalho, atraindo, assim, a responsabilidade objetiva da empregadora”, concluiu.
O tribunal condenou o hospital e o Município, de forma subsidiária, a pagarem à viúva R$ 110 mil de indenização por danos morais; pensão mensal na ordem de 2/3 da remuneração do trabalhador falecido, devida por 47 anos após a morte – o relator considerou a idade e a expectativa de vida, e ressarcimento das despesas com funeral no valor de R$ 3.919. As rés podem recorrer.
Foto: Pixabay
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