Militares e a política

por João Geraldo Lopes Gonçalves

No final de semana passado, em meio ao Carnaval fora de época e com futebol no Brasil todo, os noticiários deram espaço para duas declarações que acenderam o alerta de mais uma crise institucional. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso afirmou que as Forças Armadas estão sendo orientadas a desacreditar o processo eleitoral brasileiro.

A declaração tem a ver com afirmações do presidente Jair Bolsonaro. Desde que foi candidato em 2018, ele critica o sistema de urnas eletrônicas, as taxando de não auditáveis e sujeitas a “fraudes”.

Na presidência, Bolsonaro tem ido mais longe, ainda. Tem trabalhado com suas bases no sentido de que o sistema deve ser alterado para o retorno do voto depositado em papel, pois na opinião dele e de seu grupo não há erros no sistema antigo.

Ataques verbais e manifestações foram organizadas tendo como foco não só as urnas, mas os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em especial Barroso, que até a pouco era o presidente do órgão. Um dos atos que geraram, inclusive, uma apreensão enorme na sociedade brasileira foram os protestos em Brasília e São Paulo no dia 7 de Setembro do ano passado.

O cheiro no ambiente de uma tentativa de golpe estava no ar. Bolsonaro, com um discurso vazio, mas ofensivo, disse na oportunidade que não cumpriria decisões da suprema corte se elas fossem de encontro aos seus desejos. Alexandre de Moraes e Luiz Barroso foram e ainda são seus alvos preferidos.

Mas o presidente da República não foi e não é o único a falar de ruptura constitucional. Aliados, vira e mexe, repetem cantilenas golpistas, ameaçadoras e violentas.

A última que suscitou nova crise com o Supremo foi a decisão deste último de sentenciar o deputado federal bolsonarista Daniel Silveira a oito anos e nove meses de cadeia, por vídeo nas redes sociais em que ameaça juízes fisicamente e a própria instituição.

Um dos focos é o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. O indulto do presidente a Daniel Silveira complica ainda mais o quadro conflituoso, pois se a resposta do bolsonarismo foi livrar o aliado da cadeia, a do Supremo ainda é uma incógnita Mas, se depender de Barroso e do próprio atual presidente do TSE, Edson Fachin, nada muda no processo e a defesa da democracia será intensa.

E onde os militares entram nisto?

Aos poucos, as Forças Armadas têm cada vez mais se envolvido com a máquina do governo. Desde a posse, muitos oficiais da ativa e também da reserva têm ocupado cargos de primeiro, segundo e terceiro escalão. Nunca na história deste país as instituições militares, exceto na Ditadura de 1964, tiveram tanta participação nos aparelhos do Estado brasileiro.

Segundo o Cadastro de Servidores do Governo Federal, os fardados representam um pouco mais de 18% dos quase 15 mil comissionados, sendo que da reserva são 598 e da ativa, 2.075.

Os militares estão em todas as áreas da União: Educação, Saúde, Economia, Transportes, entre outras. Isto sem contar os ministérios da Defesa e das três forças. Esta “ocupação” nem sempre é de mérito. Quem não se lembra do desastre de gestão do general Pazuello na Saúde? O apoio político é claro nesta participação. Se antes havia uma certa desconfiança em especial no alto escalão das Forças Armadas, hoje a confiança é quase unânime.

No mesmo dia da declaração de Barroso, o ministro da Defesa e outros membros do governo e das forças Armadas se manifestaram, definindo ser a afirmação do magistrado ofensiva e grave. Isto reforça, de certa forma, não uma reaproximação ou tentativa de conciliação, como alguns estão defendendo, e sim um aprofundamento na crise.

Bolsonaro nunca escondeu de ninguém sua preferência por regimes autoritários e militarizados. É dele expressões de que os militares são responsáveis pelo desenvolvimento do Brasil e o País não é melhor porque “os ditadores” não eliminaram pelo menos 30 mil “esquerdistas”. Além disto, a exaltação a torturadores como Brilhante Ustra e outros mostram que o presidente, no mínimo, pretende ter alianças profundas com seus ex-companheiros de farda.

Há quem diga que os Militares, não encaram o presidente como alguém confiável. Porém, aceitam seu comando, pois voltam ao poder, algo que a Constituição de 1988 proibiu que fizessem, definindo claramente seu papel:

“As Forças Armadas cumprem o papel fundamental de garantir, em caso de ameaça estrangeira (defesa da pátria) ou deterioração civil-social extrema (garantia da lei e da ordem e dos poderes constitucionais), a segurança da república, dos seus cidadãos e a ordem constitucional vigente”

De preferencia nos quartéis em tempo de paz. Jair pensa diferente e trabalha constantemente não com saudosismo, mas como plano de poder o retorno político dos militares.

Para nós, o poder do Estado é civil, é cidadão e não pode ser conduzido por uma corporação que, constitucionalmente, não nasceu para fazer política pública. Sabemos que não cabe neste artigo a consciência e visão politica de nossas Forças Armadas. Mas historicamente elas sempre estiveram erroneamente, ao lado de golpes e conflitos nada republicanos. Fora quando elas assumem o poder de fato, como nos 21 anos de ditadura.

Faz mal a democracia que as instituições não se harmonizem e deixam de cumprir suas funções do Estado de Direito. O obscurantismo vence quando isto acontece.

Aguardamos o desenrolar de mais uma crise.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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