Por João Geraldo Lopes Gonçalves
Quero começar este texto desnudando algumas afirmações que as ouço desde que nasci. Sou limeirense da gema, nascido na Vila Esteves no ano de 1962, dois anos antes do golpe. A maior parte de minha vida morei nesta cidade, que amo e na qual vivo com minha família.
Faço questão destas informações, pois um dos mitos e besteiras que setores políticos gostam de afirmar que quem faz críticas “à cidade” (e aqui um parêntese: leia-se grupos de elite) é quem não nasceu e vive aqui.
Portanto, a xenofobia e a fake news precisam acabar neste sentido. Se fosse eu nascido em outra localidade, mas que escolheu Limeira para viver, teria os mesmos direitos que os aqui nascidos.
Este papo de não ser da cidade e, portanto, não poder se manifestar politicamente e socialmente é uma das aberrações que ainda persistem nesta cidade.
A campanha da candidata do atual prefeito, em um de seus posts na internet, se referiu ao candidato do PT/PSB como “não é de Limeira”, por isto, não há conhece. Uma afirmação, no mínimo, equivocada e que deveria ser questionada.
Outra questão importante, que mostra a cultura de erros, é a afirmação que ficou popular na voz de um radialista da cidade de que “Limeira é uma grande fazendona iluminada”.
Oras, para quem conhece a História do Brasil e do município, sabe que esta tese remete ao tempo da escravidão negra, da Casa Grande e Senzala ou dos tempos dos coronéis da política, que adentravam na Câmara Municipal portando um chicote.
Não há dúvida de que muitos políticos ainda agem ou gostariam de assim agir. Atualmente não é o chicote, mas discursos e práticas misóginas, homofóbicas, desigualdades sociais e claras mentiras e acusações baixas e sem lógica ou provas.
Nas eleições em especial no segundo turno, vimos os três candidatos, dois da extrema direita e um da direita, não abrirem mão das baixarias atingindo currículos e vida pessoal. O mais importante, os programas de governo, foram deixados em segundo e terceiro plano.
Tivemos o cúmulo de um dos candidatos enfatizarem que não precisava de programa para governar, bastava o eleitor votar nele com sua história que tudo estaria certo.
Este mesmo candidato, nos debates televisivos, radiofônicos e na internet, teve enormes dificuldades de dizer o que pretendia fazer caso fosse eleito.
Uma terceira questão, muito presente, é quase todos os setores minimamente engajados na política afirmam ser esta cidade bolsonarista, de extrema direita. Eu digo quase todos, pois este que vos escreve discorda desta afirmação.
A cidade tem valores conservadores, que às vezes se confundem com o fundamentalismo e até o fascismo. Se formos analisar algumas figuras, podemos chegar a esta conclusão. Dos quatro candidatos a prefeito na cidade, três apoiaram as tentativas de golpe da trupe bolsonarista contra o STF e o Brasil. Mas não dá para cravar ser o povo adorador de falsos mitos ou ídolos.
É verdade que a cidade, no passado, votava na Arena da ditadura, votou no malufismo, hoje em Bolsonaro. No entanto, escolheu na década de 90 o tucanato, votou em Lula e Dilma, e nas esquerdas nas eleições municipais de 2012. Assim, não dá para dizer que é isto ou aquilo.
O corte comportamental da cidade é o conservadorismo, fenômeno herdado da colonização europeia e que o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda dizia ser manter tradições familiares e de padrões na sociedade. Mas ao mesmo tempo em que se é contra a discussão de gênero, a maioria dos conservadores são humanistas. São contra pena de morte, tem um olhar para o combate a pobreza e praticam ações coletivas de luta, inclusive.
A tolerância é um aspecto fundamental no conservadorismo. Decerto que, entre os conservadores, existe certa resistência ao novo, o inusitado, as mudanças.
Mas o conservador “raiz” é propenso ao diálogo, mesmo apresentando contradições. Em minha vida pessoal e política encontrei dezenas de conservadores que, lado a lado, defendem comigo a democracia, por exemplo.
Não confundir as elites com o conservadorismo. As elites no Brasil são de acordo com as conveniências eleitorais e econômicas. Já foram escravagistas, republicanas, fascistas, golpistas e outras denominações. O caráter ideológico das elites é sempre o acúmulo de capital e vantagens. Se para isto precisar defender as esquerdas, se elas caminharem para este caminho, o farão.
Três candidatos em nossas eleições mostraram comportamentos de conveniência. Ver a candidata do prefeito andar lado a lado com os Bolsonaros foi uma decepção a muitas lideranças de mulheres na cidade, pois a mesma sempre teve como bandeira a defesa da igualdade de gênero.
Os outros candidatos, exceto o das esquerdas, que cometeu erros de abrir mão de uma linha mais classista, também agiram conforme seus interesses.
O prefeito eleito, por exemplo, carregou um bolsonarista Tarcísio de Freitas, que agora faz a passos largos a privatização da educação e que tem a polícia que mais mata no Brasil. Seu pai, ex-prefeito acusado e cassado por suspeitas de corrupção, se orgulha em dizer que é centro-esquerda, mas o atual comportamento não tem isso.
As conveniências tiraram da pauta de discussões, tanto no primeiro como no segundo turno, assuntos vitais para a cidade, como a questão climática, onde queimadas e a questão da água e do tratamento de esgoto, bem como as dívidas que o atual prefeito deixará, o sucateamento da saúde, a questão do transporte coletivo e outras. No geral, ficaram nas perfumarias e, claro, no nível baixo dos debates.
No segundo turno, parecia que a disputa se resolveria no Judiciário, tamanhos pedidos de liminares e denúncias feitas de um candidato contra o outro. A vitória de Murilo Félix foi por uma diferença de 2% dos votos válidos.
A cidade está dividida? Penso, por enquanto, que não. A divisão das candidaturas foi dentro do espectro das elites de extrema e de direita. Se “as tradições” prevalecerem, todos os grupos das elites se juntam ao prefeito eleito. Os acordos, principalmente no Legislativo, serão um balizador.
Pelas nossas contas, os vereadores eleitos pela aliança que apoiou a vice-prefeita Érika Tank têm 11 dos 21 vereadores. Só com este número já tem maioria para ser oposição ou situação. O atual prefeito e sua vice apoiaram publicamente o prefeito eleito. Se houve acordo ou não, veremos mais adiante.
Abro aqui quem quiser comentar uma aposta, que vale um abraço forte deste escrevinhador: A minha é que o prefeito terá maioria.
Dois eventos antes da posse podem comprovar esta previsão. A votação nas próximas semanas do orçamento da cidade para 2025. O texto ainda é do prefeito Mario Botion. Mas Murilo deve buscar, no processo legítimo de transição, propor algumas mudanças.
Segundo, por mais que todos os prefeitos digam que não interferem nas eleições do Legislativo, isto não se comprova na prática. Veremos quando os debates acerca da nova mesa do Legislativo iniciarem. Penso que no mês de dezembro.
Quanto ao que penso do novo governo, vou me manifestar após o fim da transição, constituição do secretariado e o que se pretende fazer pelo menos nos primeiros cem dias.
Dica cultural: literatura e Clarice Lispector
Confesso que preciso conhecer mais as obras de Clarice Lispector. Sempre a tive em conta, por ser uma mulher à frente do seu tempo, empoderada e ao mesmo tempo inconformada com o pessimismo, o baixo astral, a pobreza e a miséria.
Bom, para saber mais de Clarice, e outras literaturas, a dica desta semana é sobre a FLISG (Feira Literária de Santa Gertrudes), pertinho aqui de Limeira. Ela começa hoje, sexta-feira, e vai até domingo, dia 10 de novembro. Terá palestras, filmes, shows e muito mais.
Meus destaques vão para, no sábado dia 9, das 16h às 18h na Roda de Leitura o tema “A Prosa intimista de Clarice Lispector”, monitorada pela professora a amiga Fabiana Shiraga. No domingo, fechando a feira, o show dos rapazes do Pessoas Cinzas Normais, com o espetáculo Voltando a Belchior, às 20h.
Entrada Franca.
Maiores informações inclusive o endereço no Instagram: @prefeiturasantagertrudes.
Um bom final de semana a Todas, Todos e Tudes.
João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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