Juros de 628% ao ano: juiz de Limeira condena empréstimo com evidente discrepância

Somente após a efetivação de empréstimo com uma financeira, uma moradora de Limeira (SP) percebeu que a taxa de juros era alta. No caso dela, o juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 4ª Vara Cível, classificou como abuso discrepante o percentual aplicado.

A mulher narra na ação revisional que firmou empréstimo pessoal, mas depois da contratação verificou que a taxa de juros ultrapassa o limite do aceitável, o que passou a prejudicar sua dignidade e sustento próprio.

Diz que, diante de suas dificuldades financeiras, recebeu oferta de crédito da financeira informando haver valor pré-aprovado com pagamento de “parcelas baixas”, mas não detalhou qual era a taxa de juros.

Ela acreditou nas palavras e na boa-fé da instituição, firmando o empréstimo, sem conseguir, entretanto, visualizar as dificuldades que encontraria para sua quitação. O pagamento foi condicionado a débitos realizados diretamente em sua conta bancária, como espécie de consignado. Foram três contratos.

Citada, a financeira sustentou a legitimidade das cobranças realizadas. Alega que é sociedade anônima de capital fechado que tem por objeto a realização de operações de empréstimo, financiamento e aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica.

Confirma a contratação de três empréstimos pela autora: um no valor de R$ 400, a ser pago em 10 parcelas de R$ 122,94; outro no valor de R$ 1 mil, a ser pago em 36 parcelas de R$ 238,47 e o terceiro no valor de R$ 559,92, a ser pago em 30 parcelas de R$ 138,95.

Apontou que o contrato é “por adesão”, e “não de adesão”, e que a autora, quando necessitou do crédito, concordou com todo o conteúdo do contrato, “não sendo crível que alguém celebre contrato bancário sem procurar saber quais os acréscimos e correções que sofrerão”.

O caso foi julgado com base no Código de Defesa do Consumidor. Entre outros julgados, o magistrado destacou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo, que assentou orientação no sentido de que “é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade [capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC] fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do caso concreto”.

Consolidando este entendimento, diz o juiz, o STJ editou a Súmula 382, segundo a qual “a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”. Posteriormente, também foi editada a Súmula 530 do STJ, que dispõe: “Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.”

No caso da limeirense, verificou-se que os contratos celebrados apresentam taxas de juros remuneratórios significativamente superior à taxa média de mercado para operações da mesma natureza. “No caso concreto, é evidente a discrepância entre as taxas de juros remuneratórios contratadas e a taxa média de mercado para operações da mesma espécie. As taxas de juros anuais estabelecidas nos contratos [628,02%, 492,99% e 492,99%, respectivamente] superam em muito a taxa média de mercado [94,02%], o que configura abusividade e autoriza a intervenção judicial para reequilibrar a relação contratual”.

Vulnerabilidade do consumidor

Para o magistrado, não prospera o argumento de que a parte autora tinha pleno conhecimento das condições contratuais e poderia ter buscado crédito em outras instituições com taxas mais favoráveis. “O princípio da autonomia da vontade e o pacta sunt servanda devem ser temperados pelos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, especialmente nas relações de consumo, em que se reconhece a vulnerabilidade do consumidor. No caso dos autos, a vulnerabilidade da parte autora é ainda mais acentuada, considerando sua condição socioeconômica e a falta de informações claras sobre as reais implicações da contratação, configurando o que a doutrina denomina de hipervulnerabilidade”.

Assim, evidenciada a abusividade das taxas de juros remuneratórios pactuadas nos contratos em análise, o juiz determinou a revisão contratual para limitá-las à taxa média de mercado (94,02% ao ano) para operações da mesma espécie, conforme divulgado pelo Banco Central do Brasil.

A financeira também foi condenada a restituir à autora, de forma simples, os valores pagos a maior em razão da cobrança de juros abusivos. Cabe recurso.

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Foto: Freepik

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