Quem compra um apartamento novo visando a sua própria moradia, guarda expectativas para o fim do prazo previsto para a entrega das chaves, mas já sabendo do tempo de tolerância que normalmente consta nos contratos. No entanto, um limeirense viveu um verdadeiro drama com o que considerou abuso de construtoras devido à imposição de aditivo que previa aumento de prazo e cobranças de juros de obras.
Na ação de indenização por danos morais e patrimoniais que moveu contra duas construtoras, narrou que firmou contrato de compra e venda de um apartamento em 2018.
Uma das cláusulas dava o prazo de 36 meses, a partir da assinatura do contrato de financiamento do autor com a Caixa, para início e conclusão da construção, o que considerou ilegal, de modo que, de acordo com ele, o prazo para entrega deve ser contado da data da assinatura do contrato de compra e venda.
Em setembro de 2021, foi formalizado o financiamento junto à Caixa, e o pagamento dos juros de obra se iniciou no mês seguinte. O imóvel foi entregue em dezembro de 2023, porém o prazo máximo para entrega era até outubro 2021 (36 meses contados de abril de 2018 + 180 dias de tolerância).
Afirmou que os juros de obra continuaram a ser cobrados até abril de 2024 em razão da demora da regularização do empreendimento junto à Caixa e da demora na emissão de matrícula individualizada, sendo que ele deveria ter pago juros de obra até outubro de 2021, quando terminou o prazo para conclusão das obras.
Pediu indenização por lucros cessantes e à inversão da multa estipulada na hipótese de inadimplemento do consumidor. Alega que não assinou o aditivo contratual que previa prorrogação do prazo de entrega do empreendimento para dezembro de 2021, com mais 180 dias de tolerância.
As construtoras contestaram. Alegaram que o prazo para término do imóvel ocorreria em janeiro de 2024, com mais 60 dias de tolerância, pois foi firmado o contrato de financiamento com a Caixa em setembro de 2021. Como as chaves foram entregues fevereiro de 2023, não houve atraso. Disseram que a Caixa foi a responsável por continuar cobrando os juros de obra mesmo após a entrega do bem, pois entregou todos os documentos necessários à financeira.
O caso foi sanado pelo juiz Mário Sergio Menezes, da 3ª Vara Cível de Limeira (SP), que julgou parcialmente procedentes os pedidos do autor.
Consumidor em desvantagem exagerada: abuso de construtoras
Antes de tudo, ele verificou se era válido o novo termo inicial para entrega das obras pactuado no contrato de financiamento. “Vislumbra-se que o estabelecimento de novo prazo para entrega das obras no bojo do contrato de financiamento trata-se de uma cláusula que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, uma vez que concede à construtora evidente benefício de prolongação abusiva do cumprimento de sua obrigação em detrimento da onerosa espera do consumidor, que tem a justa expectativa de ver sua moradia entregue em tempo razoável”.
Reforçou ainda mais a tese de abusividade do novo prazo estipulado no contrato de financiamento, a reprodução da tese fixada no julgamento do Tema 996, originado do julgamento do REsp 1729593/SP.
Conforme o juiz, não se pode condicionar o prazo para a entrega das chaves de um imóvel à assinatura de um contrato que ainda não existe, como é o caso do contrato de financiamento junto à instituição financeira, na medida em que a entrega do bem fica vinculada a um prazo incerto, e, portanto, desfavorável ao consumidor.
Pelo atraso na entrega do imóvel, as construtoras devem indenizar o autor por lucros cessantes no patamar de 0,5% por mês sobre o valor do contrato, desde o início da mora (outubro de 2021) até a entrega das chaves. Também devem restituir o valor pago a título de juros de obra, desde a mora na qual incorreram (outubro de 2021) até a data da amortização.
O juiz não viu que a situação foi capaz de ofender os direitos de personalidade do autor e a esfera íntima e, portanto, não acolheu os danos morais. As construtoras podem recorrer.
Foto: wirestock no Freepik
Renata Reis é jornalista, escreve para o Diário de Justiça e integra a equipe do podcast “Entendi Direito”. Formada em jornalismo, atuou em jornal diário, em outros meios, como rádio e TV. Também prestou serviços de comunicação em assessoria, textos para revistas e produção de conteúdo para redes sociais.
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