Juiz que iniciou carreira em Limeira é acusado de usar nome falso por 40 anos

O Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio do promotor Maurício Salvadore, denunciou o juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso. Conforme a acusação, por mais de 40 anos ele usou o nome Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, inclusive como magistrado. Em 1995, ele foi designado para iniciar sua carreira na comarca de Limeira (SP).

Na ocasião da nomeação, o jornal Folha de São Paulo registrou (leia aqui) que o então juiz como nome britânico iria para o fórum limeirense. Reprodução de trecho da reportagem:

“Outro filho de imigrantes é Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, 37, descendente de nobres britânicos e futuro juiz em Limeira. Nascido no Brasil, Wickfield morou até os 25 anos na Inglaterra, onde estudou matemática e física. Quando voltou a São Paulo, decidiu estudar Direito na USP. Embora seu avô tenha sido juiz no Reino Unido, ele garante que o precedente familiar não o ajudou no concurso. ‘Conheço pessoas com um passado muito tradicional que não passaram’”.

Na denúncia apresentada à Justiça no início de março, o promotor aponta que a vida com dupla personalidade do juiz teve início em setembro de 1980, quando ele firmou ficha de identificação com o nome britânico. Para isso, apresentou cópias de um certificado de dispensa de corporação emitido pelo Exército Brasileiro, uma carteira de servidor do Ministério Público do Trabalho e uma Carteira de Trabalho e Previdência Social, bem como um título de eleitor.

Os documentos foram aceitos porque, na época, não contavam com dispositivos gráficos ou materiais de segurança e, segundo o MPSP, eram facilmente falsificáveis. “De outra banda, até a adoção dos sistemas eletrônicos, excetuadas as pesquisas em investigações criminais, não havia condições de comparação de impressões dígito-papilares colhidas quando da identificação civil, razão pela qual não foi possível identificar que se tratava da mesma pessoa. Assim, o denunciado obteve um cédula de identidade com registro geral do fictício Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield”, consta na denúncia.

Mesmo com a identidade de Edward nas mãos, o juiz não abandonou a outra identificação, tanto é que em 1993 obteve novo RG e, na época, se apresentou como vendedor e afirmou ter apenas o primeiro grau de instrução escolar. A mesma situação se repetiu em 2022.

Já como Edward, ingressou na faculdade de direito da USP, onde se formou e, em 1995, foi aprovado no concurso de juiz de direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Foi nesse mesmo ano que, segundo reportagem da Folha de São Paulo, ele foi nomeado para atuar em Limeira.

Com juiz, com o nome de Edward, atuou até se aposentar em 2018, sendo seu último lugar de atuação 35ª Vara Cível central da capital paulista.

IDENTIFICAÇÃO

A dupla identidade veio à tona no ano passado, quando ele compareceu no Poupatempo da Sé para obter a segunda via de identidade do nome fictício. O MPSP apontou que, nesse procedimento, ele apresentou certidão de nascimento falsificada. Neste último procedimento, as digitais foram colhidas e submetidas ao sistema de identificação automatizado. Por conta de inconsistências, a Polícia Civil, por meio da Delegacia de Combate a Crimes de Fraude Documental e Biometria, abriu investigação e identificou a duplicidade de registros.

A promotoria aponta na denúncia que, desta forma, o juiz obteve dois CPFs junto à Receita Federal do Brasil, dupla inscrição eleitoral e passaporte, documento utilizado para deixar o território nacional após a descoberta de eventual fraude.

O processo contra o juiz está em sigilo e, até a conclusão dessa reportagem, os meios de contato com o magistrado aposentado não foram identificados, mas abre espaço para qualquer manifestação da defesa.

Com a apresentação da denúncia, da qual o DJ teve acesso, a Justiça irá analisá-la para decidir se abre ou não a ação penal. Caso se torne réu, o juiz aposentado terá prazo para apresentar sua defesa.  

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Foto: Pixabay

Denis Martins é jornalista, escreve para o Diário de Justiça e integra a equipe do podcast “Entendi Direito”. Formado em jornalismo, atuou em jornal diário. Também prestou serviços de comunicação em assessoria, textos para revistas e produção de conteúdo para redes sociais.


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