“Incriminação do simples ato de viver no local”, diz juiz sobre denúncia de crime ambiental

Ao julgar improcedente uma ação por crime ambiental, o juiz Thiago Zampieri da Costa, do Juizado Especial Cível e Criminal de Santa Rita do Passa Quatro (SP), mencionou na sentença que a denúncia incriminava o réu pelo “simples ato de viver no local”. A sentença é do dia 25 deste mês.

O Ministério Público (MP) denunciou o réu por crimes contra a flora após ele ser autuado por agentes da Polícia Militar Ambiental. Em fevereiro de 2023, ele foi autuado por impedir e dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação.

O flagrante foi no rancho do réu, perto do Rio Mogi Guaçu, na zona rural de Santa Rita do Passa Quatro. Segundo apurado, no local há três edificações construídas em área de preservação permanente, além de área roçada manualmente e um pomar.

Na denúncia, o MP apontou que essas situações dificultam a regeneração natural da vegetação nativa. A promotoria sugeriu suspensão condicional do processo, que não foi aceita pela defesa. Então, pediu a condenação por crime ambiental.

Os advogados do acusado pediram absolvição, sustentando que a construção presente na propriedade é bastante antiga, que a prova é frágil e que não havia floresta no local. Mencionaram ainda que não foi realizada prova pericial e que não havia vegetação relevante na área, tampouco destruição de floresta pelo réu, ou seja, inexistência de crime ambiental.

Uma testemunha disse que foi responsável pela construção no endereço, mas fez isso há mais de 50 anos. O réu disse que recebeu o rancho por herança após falecimento do sogro e usa o local para convivência familiar, mas que nunca alterou nada, ou seja, nunca removeu árvores ou fez qualquer construção.

Ao analisar o caso, o magistrado concluiu que não há tipicidade material na conduta e aplicou o princípio da insignificância para descartar crime ambiental:

“Atento às peculiaridades do caso sob exame suposto desmatamento em área de ínfima extensão bosqueamento do entorno de propriedade que ocupa mero espaço territorial de 0,9 ha, conforme laudado, reconheço, ante a ausência de resultado lesivo, a atipicidade material da conduta, à luz do princípio da insignificância, pois presentes seus pressupostos, quais sejam: mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, inexpressividade da lesão jurídica e reduzido grau de reprovabilidade da conduta”.

O juiz também considerou que o laudo pericial não apresentou qualquer conclusão sobre eventual bosqueamento e a única prova produzida em juízo foi o depoimento de um policial militar, considerada pelo magistrado insuficiente para a condenação por crime ambiental. Ainda na sentença, ele completou:

“Ora, entender que o ato de varrer e manter o local limpo são fatos criminalmente relevantes, ainda que visando impedir que alguns animais peçonhentos tais como escorpião e cobra ingressem na residência, deságua na necessidade de abandono do local pelo proprietário, sob pena de agravar possíveis riscos contra a própria vida e de familiares, em razão das possíveis picadas de animais venenosos. Estamos diante, nesse caso, de incriminação do simples ato de viver no local, viver na casa, que foi construída presumidamente da promulgação do Código Florestal, sendo certo que até mesmo o laudo técnico ressalta que as edificações não possuem aspecto de construções recentes. Ora, é evidente que se o Direito permitia ou não vedava, na época da construção, que a edificação fosse erigida, não pode lei posterior, sob pena de ofender completamente a segurança jurídica e o direito de propriedade, simplesmente criar um crime pelo simples fato de se manter o local minimamente limpo para servir como moradia. Não há razoabilidade ou proporcionalidade, princípios constitucionais implícitos, em se punir a conduta de manter limpo o entorno da propriedade. Quanto ao pomar, a quantidade de arvores não ocupa área substância compatível com atividade agrícola, ou produção em larga escala. É visível o plantio em um estreito de terra e um pequeno concentrado, mas ao fim e ao cabo, verifica-se a intervenção mínima do proprietário nos entornos do imóvel”.

A ação foi julgada improcedente e o MP pode contestar a sentença.

Foto: Pixabay

Denis Martins é jornalista, escreve para o Diário de Justiça e integra a equipe do podcast “Entendi Direito”. Formado em jornalismo, atuou em jornal diário. Também prestou serviços de comunicação em assessoria, textos para revistas e produção de conteúdo para redes sociais.


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