Igreja e Estado na era bolsonarista

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Este escriba está devorando o primeiro volume da obra “Escravidão”, do escritor e jornalista Laurentino Gomes, de uma trilogia que narra minuciosamente a História do Brasil e sua relação com a escravidão negra. O livro nos faz penetrar na época em que os europeus decidiram inovar em suas aventuras de exploração sobre outros povos, que a escravidão africana e o êxodo forçado de seus povos para as Américas em especial não seriam possíveis se não houvesse a participação direta da Igreja Católica e, mais tarde, Protestante nos 300 anos de Casa Grande & Senzala.

O catolicismo, quando das viagens das tais descobertas de novos mundos por potências como Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda, França e outros, tinha cabeça, corpo e membros dentro do poder secular dos diversos reinos do chamado Velho Mundo.

Foi a concepção de que a Igreja de Deus era Roma e que povos não cristãos deveriam se curvar ao Vaticano e a interpretação errônea de raça pura da Bíblia que levaram brancos europeus a invadirem o continente africano e desenvolver a maior barbárie de que se tem notícia na história. A escravidão teve a benção e a participação do clero católico, desde o início, como os “descobrimentos”, os primeiros a descer em terra firme eram padres e bispo, e uma missa era rezada antes de qualquer outra ação.

A Igreja, em particular no Brasil, manteve durante séculos uma relação de alinhamento com o poder branco, bélico e econômico, que começa com a celebração da Eucaristia em Salvador, na Bahia, e vai perdurar até o golpe militar de 1964.

No Brasil Colônia, os padres cumpriam um papel de converter os “gentios e selvagens” à fé católica, por meio da força das armas que a coroa portuguesa lhes dava como retribuição ao seu trabalho. Além disto, a instituição também era traficante e proprietária de escravos. Há registros de clérigos que afirmavam não conseguir “evangelizar” sem ter escravos negros para fazer o serviço da paróquia ou da ordem.

No Brasil Império, a Igreja sentava ao lado dos imperadores, assinava em baixo seus atos de guerra e exploração do País. Na Independência, a Igreja só cedeu no ultimo minuto, mas se alinhava com Portugal.

Mais tarde, foi uma das resistentes a Abolição, bem como a República. Mas os interesses “comuns”, a não perda de espaço no poder a faz se adaptar a cada ano à cadeira de comando. E foi assim na República Velha, na Ditadura Vargas e até 64.

O golpe militar de 31 de Março de 1964 teve o endosso e a benção, só para variar, da hierarquia da Igreja e seus movimentos fundamentalistas como TFP (Tradição, Família e Propriedade), que fizeram, dias antes do acontecido, a famosa marcha onde a classe média e a alta burguesia pediam que o País se livrasse dos comunistas, ateus e comedores de criancinhas.

A mudança de postura do Catolicismo e sua cúpula acontece com o Concilio Vaticano Segundo e a Teologia da Libertação, movimento que reflete uma Igreja participativa e de opção aos pobres. De acordo com analistas e historiadores, é aí, mais precisamente após o AI-5 (Ato Institucional número 5), de 1968, que a Igreja vai abertamente buscar sua autonomia em relação ao Estado, pelo menos sua grande maioria de membros.

Com posições ora conciliatórias, ora decisivas, mas sempre tentando distância do poder, a Igreja Católica e outras agremiações cristãs chegam na Era Bolsonaro, no campo da Constituição Federal que em seu § 2º do art. 11 proclama que “é vedado aos Estados, como à União, estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Com isto, estabelece a separação, mas cabe ao Estado proteger a liberdade de crença e de culto.

Mas desde a campanha de 2018, Jair Bolsonaro, que se diz católico, mas já se batizou em igrejas evangélicas, tenta rasgar a Constituição e definir seu governo como terrivelmente cristão. A tese absurda, que fere o Estado Laico e Democrático, foi comprada por religiões neopentecostais e também por parte da hierarquia católica, que não só querem substituir a Constituição e as leis pela Bíblia, como governar ao lado do miliciano no poder.

Com pautas conservadoras, retrógradas e de incentivo ao preconceito e discriminação, bem como o uso de armas, os religiosos têm guarida em parte da sociedade.

Então, quando o bispo Dom Orlando Brandes, em seu sermão do dia 12 de Outubro, diz que Pátria Amada não é Pátria Armada e critica as fake news e sua usina de ódio, ele não está criticando apenas as pregações do governo, mas está exaltando a autonomia e independência da Igreja do Estado.

E aí, quando a verdade começa a ser restabelecida, a reação contrária ocorre.

Link aqui para um abaixo assinado pedindo punição ao deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Frederico D’Avila, que ofendeu e agrediu Dom Orlando e o Papa Francisco, os chamando de vagabundos, pedófilos e outros impropérios.

Semana que vem continuamos o tema.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

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