
A Justiça de Limeira, interior paulista, julgou um mandado de segurança cível de uma farmácia de manipulação contra a Vigilância Sanitária para anular autuação que recebeu por repassar a terceiros, em parceria comercial, a fabricação de produtos magistrais. É como são chamados os medicamentos, cosméticos e outros preparados em farmácias de manipulação. São feitos sob demanda, de acordo com uma prescrição médica ou veterinária.
Em sua defesa, a farmácia de manipulação destacou o objetivo da evolução da atividade de seu estabelecimento. Porém, foi autuada por infringir o art. 36 da Lei 5.997/73 (comércio/disposição de produtos magistrais para venda em locais sem a licença dos órgãos competentes).
Argumentou acerca da inexistência de risco na parceria comercial farmacêutica, haja vista que não há proibição. Alega que a sanção aplicada viola os ditames da Lei 13.784 de 20 de setembro de 2019 (Lei de Liberdade Econômica), não sendo observados os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, pois alcançam o consumidor final, uma vez que a parceria comercial facilita o acesso ao medicamento para o consumidor.
No mandado, pediu que o órgão sanitário e seus fiscais sejam impedidos de autuar o estabelecimento pela atividade de parceria comercial para captação e intermediação de receita com suas filiais e outras empresas, que se coaduna, em mera descentralização de atendimento ao consumidor, no interesse deste e no exercício da livre iniciativa, autorizando que suas parceiras possam receber as prescrições e enviar os produtos de acordo com cada prescrição.
A Vigilância Sanitária, por sua vez, contestou. Afirmou que não há direito líquido e certo que sustentam a pretensão, razão pela qual está submetida às exigências sanitárias. Aduz que a prática viola o art. 14 da Lei 13.021/14, já que o profissional farmacêutico é responsável por avaliar e dispensar medicamentos, cosméticos e suplementos, para assegurar que a conduta terapêutica prescrita pelo profissional habilitado, seja cumprida com eficácia e segurança dos envolvidos. Além disso, sabe-se que a prescrição magistral é destinada a pacientes específicos, sendo totalmente individualizada.
Quem julgou foi o juiz Bertholdo Hettwer Lawall, da Vara da Fazenda Pública, em fevereiro. O magistrado citou a Constituição, a lei que instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), atribuindo a esta “respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública”, dentre os quais, “medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias” – (artigo 8.º, caput e § 1.º, inciso I).
Portanto, com o fim de proteção à saúde, cabe à Anvisa regulamentar todas as etapas relacionadas à industrialização, venda e consumo de medicamentos pela população, razão pela qual as resoluções editadas pela referida agência reguladora devem ser observadas, não havendo que se falar em afronta ao princípio da reserva legal, diz o juiz.
Farmácia de manipulação
Neste contexto, foi editada a Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa, RDC n.º 67/2007, que dispõe sobre “Boas Práticas de Manipulação de Preparações Magistrais e Oficinais para Uso Humano em farmácias”. Assim, conforme o juiz, a RDC n.º 67/2007 não criou obrigação nova, não prevista em lei, já que inexiste qualquer entrave à prescrição e manipulação, pelo próprio farmacêutico, de produtos isentos de prescrição médica.
Por isso, o pedido da farmácia de manipulação não merece prosperar. “Ora, como se nota com a leitura do supracitado item 4 da RDC n.º 67/2007, a preparação magistral é aquela destinada a paciente individualizado, de modo que não se coaduna com a estocagem, ainda que mínima, e ampla divulgação pretendidas. Logo, para prescrever um medicamento, o farmacêutico deve entender a condição do paciente, seus sintomas, o processo da doença que o acomete, devendo, para tal, com ele interagir, colhendo informações indispensáveis a uma prescrição precisa, o que, evidentemente, é incompatível com a venda remota ou de prateleira que se pretende. Não há como se viabilizar a distribuição prévia, para farmácias parceiras, de medicamentos sujeitos à preparação mediante apresentação de receita médica”.
Diante da sentença, a farmácia de manipulação moveu embargos de declaração, que é um recurso que permite questionar ao juiz sobre decisões que sejam obscuras, contraditórias, omissas ou que contenham erros materiais. Bertholdo Hettwer Lawall acolheu em partes, mas tão somente para complementar a sentença embargada.
A farmácia disse que não houve manifestação judicial a respeito da alegada inconstitucionalidade do art. 34 e parágrafos da Lei nº 5.991/1973, notadamente quanto à vedação de intermediação entre empresas e captação de receitas. E o juiz disse: “Referida proibição não é inconstitucional, mas garante maior controle de qualidade e transparência sobre os produtos magistrais, não sendo desproporcional, consoante precedentes deste Tribunal”.
Citou julgados e completou: “Rejeita-se, pois, o pleito de inconstitucionalidade, prevalecendo o direito à saúde à maior liberdade econômica pretendida”.
A farmácia de manipulação pode recorrer à segunda instância do Judiciário.
Foto: Freepik
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