Desde a publicação do decreto, no último dia 21, do presidente da República, Jair Bolsonaro, que concedeu o benefício da graça (perdão de pena judicial) ao deputado federal Daniel Silveira, que na quarta (20) foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, foram muitas as discussões sobre a legalidade.
O deputado foi condenado pelos crimes de coação no curso do processo e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional já manifestou preocupação e diz que acompanha a situação. Ação contra o decreto já foi protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF).
O DJ conversou com o professor de Direito Constitucional do Isca Faculdades, mestre em Direito Constitucional pela Unimep e mestrando em Direito Americano pela Florida Coastal University, Luiz Alberto Segalla Bevillacqua, que também é promotor de Justiça.
O que é o instituto da graça constitucional e onde está a previsão legal?
O artigo 84, inciso XII da Constituição Federal (CF), autoriza o presidente da República a conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei.
Assim, o indulto, geralmente, é coletivo, sendo costumeira no Brasil a sua concessão ao final do ano em que os presidentes da República concedem indultos natalinos.
Por outro lado, a graça, também conhecida como indulto individual, é algo pessoal, individualizado e tem regramento no Código de Processo Penal (CPP).
Quais são as diferenças entre os institutos da graça e do indulto?
Noberto Avena ensina que “a graça destina-se a pessoa determinada. Denominada pela Lei de Execução Penal de indulto individual, trata-se de clemência concedida por ato privativo do presidente da República (art. 84, XII, da CF), muito embora possa ele delegar tal atribuição aos ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República e ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações (art. 84, parágrafo único, da CF)”.
É possível a concessão de graça a alguém que ainda não esteja cumprindo pena, ou seja, ainda em fase processual, sem condenação definitiva?
Sim, no entanto, a doutrina predominante entende que deva haver, no mínimo, trânsito em julgado para acusação. Frise-se que, no caso do deputado Daniel Silveira, o decreto presidencial não respeitou o trânsito em julgado para a acusação, abrindo-se brecha para discussão judicial. Todavia, a irregularidade pode ser sanada, editando-se novo decreto após o trânsito em julgado.
O decreto da graça pode ser sustado pelo Congresso Nacional?
Em tese, sim, com base nos incisos V e XI, do art. 49, da Carta Política, onde está preconizado que é de competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes e a possibilidade de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, caso se constate o abuso no uso de decreto presidencial.
O Judiciário pode rever a concessão de graça em sua forma ou mérito de conteúdo?
O Judiciário pode rever, como fez no caso do decreto presidencial editado pelo então presidente Michel Temer aos condenados na Lava-Jato mas, neste caso, houve a manutenção da benesse por maioria de votos. Deve também o Judiciário analisar se houve respeito aos limites constitucionais previstos pelo Art. 5°, XLIII, que diz que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Portanto, somente nestes crimes supracitados, veda-se a concessão de graça ou indulto. Em tese, no caso do deputado Daniel Silveira não haveria vedação para a concessão, mas deveria o presidente ter aguardado o trânsito em julgado para a acusação.
Eventual revisão do decreto de graça pode configurar violação ao princípio da separação dos poderes?
A revisão judicial é autorizada, mas deve se restringir a analisar se houve respeito aos limites constitucionais e solenidades exigidas pelo CPP para a concessão do benefício. Todavia, poderá haver ingerência inconstitucional do Judiciário, caso se discuta se era conveniente ou não a concessão do perdão ao deputado, pois isto é prerrogativa exclusiva do chefe da nação, assim concedida pela Constituição Federal, já que a graça concedida não envolve crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, da CF).
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