É hora de pensar em planejamento sucessório?

por Marcella Rosa e Letícia Fernandes

O projeto de Reforma Tributária está em fase de regulamentação e já traz algumas novidades sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que dispõe, entre outros temas, sobre o processo administrativo tributário do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), também prevê mudanças substanciais na aplicação do ITCMD pelos estados, influenciando diretamente a transmissão de patrimônio.

Embora o projeto não altere a alíquota máxima determinada pelo Senado Federal, que atualmente é de 8%, há propostas para que esse teto seja elevado para 16%, o que pode resultar em um impacto considerável.

Com isso, torna-se mais premente a necessidade de um planejamento sucessório eficaz ainda em vida, por meio da lei atual. Para as famílias que possuem negócios ou empreendimentos próprios, a medida é ainda mais relevante. Por meio da escolha de instrumentos jurídicos adequados, como por exemplo a doação dos bens para seus herdeiros ou criação de holdings familiares, é possível diminuir consideravelmente os valores que devem ser pagos, preservando uma parcela maior do patrimônio familiar acumulado ao longo dos anos.

Nesses casos, um dos objetivos é também evitar a desestruturação da empresa por causa de conflitos sucessórios.. A medida possibilita a transferência ordenada e gradual da gestão e da propriedade dos negócios para as próximas gerações, garantindo a continuidade e a sustentabilidade do empreendimento.

Além disso, as chamadas holdings familiares também evitam a necessidade de abertura de inventários para partilha dos bens pelos herdeiros, os quais costumam não apenas elevar os custos desembolsados, como também prolongar o tempo de finalização da partilha.

Por enquanto, o PLP 108/24 introduz um regime progressivo de tributação para o ITCMD, dando liberdade a estados e ao Distrito Federal para fixar as alíquotas aplicáveis.

Outra mudança refere-se à base de cálculo do tributo, especialmente nas transmissões que envolvam quotas ou participações societárias. O novo modelo prevê que a base de cálculo será o valor de mercado do bem ou direito transmitido, com ajustes possíveis conforme a legislação estadual.

Para participações societárias listadas na bolsa de valores, será utilizada a cotação de mercado. Em outros casos, a avaliação deverá considerar, no mínimo, o valor de mercado do patrimônio líquido contábil das empresas somado à valoração do fundo de comércio.

A incidência do ITCMD também se estenderá aos planos de previdência PGBL e VGBL. O PLP determina que seguradoras, instituições financeiras e de previdência serão responsáveis pela retenção do imposto nas hipóteses de transmissão ou doação dos bens/direitos sob sua administração. A responsabilidade pelo recolhimento do ITCMD será subsidiária ao contribuinte, caso as instituições não realizem a retenção.

Além disso, o projeto aborda a questão dos bens e direitos em Trust, tratando-os como pertencentes ao instituidor até seu falecimento. Nesse caso, a transmissão do patrimônio será considerada causa mortis, enquanto a distribuição em vida será tratada como doação, atraindo a tributação pelo ITCMD.

O local de cobrança do imposto em caso de causa mortis será alterado para o estado de domicílio do falecido, e não mais onde se tramita o inventário ou arrolamento dos bens. Essa mudança busca uniformizar a cobrança do ITCMD tanto para heranças quanto para doações.

Outro ponto que chamou bastante atenção no PLP diz respeito à regulamentação da incidência do ITCMD sobre bens de pessoas residentes o exterior. Em discussões anteriores, o STF já havia afirmado que a cobrança do imposto, nestas situações, somente poderia ocorrer mediante a edição de leis complementares específicas. Com o PLP, tal regulamentação estaria suprida, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal a edição de novas leis para a cobrança do ITCMD sobre a transmissão de bens de titularidade de pessoas residentes no exterior.

No entanto, o ponto de atenção se dá em eventuais leis já editadas pelos Estados e Distrito Federal visando a cobrança do ITCMD sobre as transmissões que envolvam residentes no exterior, uma vez que podem ser consideradas inconstitucionais, considerando que foram editadas antes da regulamentação do tema por lei complementar. Vale lembrar, nesse ponto, que a Emenda Constitucional que aprovou a reforma tributária criou uma espécie de “regra de transição” para cobrança do imposto nesses casos, até que fosse editada uma lei complementar, cabendo uma análise criteriosa de cada situação para que seja verificada a legitimidade da cobrança.

Diante do novo cenário proposto através do PLP, que reflete significativas mudanças no regramento geral da tributação do ITCMD, ocasionando em aumento expressivo de tributação nestas operações, é crucial que os contribuintes se organizem de maneira adequada e breve, optando pelos instrumentos jurídicos mais benéficos na realização de sua sucessão.

Marcella Rosa é advogada tributária e Letícia Fernandes é estagiária de Direito Tributário, ambas no escritório Marcos Martins Advogados.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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