E aí, o bolsonarismo acabou?

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

A tentativa de golpe e o indiciamento do “mito”

Um amigo de longa data que, no espectro político, se denomina de centro-esquerda, fez a pergunta do título deste artigo. Eu, com muita tranquilidade, afirmei que ainda é cedo para tal afirmação.

Primeiro, porque quatro anos de bolsonarismo no poder fizeram estragos imensos, os quais as consequências ainda estamos sofrendo. Jair, o inelegível, já na campanha em 2018, apontava sua intenção de armar literalmente a população.

De acordo com dados oficiais coletados pela Lei de Acesso a Informação pelo jornal Brasil de Fato, 1.354.751 armamentos entraram em circulação desde sua posse em 2019 até o fim do mandato em 2022. O recorde desta circulação se deu no último ano de sua gestão com 553.339 armas, sendo que a maioria para colecionadores, clubes de caça e atiradores desportivos.

A ideia de que o povo tem direito a andar armado e se defender de “bandidos” e outros males criou a convicção de que o Estado protetor e responsável não existe. O cada um por si e uma arma nas mãos é suficiente para proteção e segurança das famílias.

Aliada às armas, a destruição das instituições democráticas foi o segundo passo. Deslegitimar Tribunais de Justiça como o Superior Tribunal, com a ideia fixa de que as urnas eletrônicas geravam fraudes, acompanhou sucessivos ataques de lideranças e do próprio Bolsonaro às autoridades judiciárias. O voto impresso, um retrocesso, voltou à pauta e, com ele, todo um debate de desqualificar as instituições, rotulando de “O Sistema”.

Sistema do qual o próprio ex-presidente se beneficiou, sendo anistiado de tentativa de golpe no Exército nos anos 80, do Parlamento, onde teve sete mandatos de deputado federal, e do governo federal, onde esteve quatro anos, usando e abusando das benesses e poderes do Estado brasileiro.

A terceira ideia é a de que o tal sistema tinha que cair e ser substituído por uma intervenção militar. Aqui nunca foi bem explicado do que se trata esta tal intervenção. Para nós, pobres mortais, o que os bolsonaristas pregaram e pregam é ditadura militar.

Estas três defesas – armas, negação das instituições democráticas e ditadura – tensionaram o tempo todo naqueles anos bicudos. O “povo armado não será explorado” copiava desgraçadamente o slogan de esquerda “O povo organizado não é explorado” e ocasionou cenas horripilantes e perigosas na sociedade.

Casos de uso de armas, em discussões políticas, levando a morte, ocorreram com frequência. O feminicídio, a homofobia e o racismo, cresceram assustadoramente, e as armas tiveram papel decisivo nisto. Atacar as instituições foi um passo para enfraquecer o processo democrático e o respeito à Constituição.

Bolsonaro e seus asseclas fizeram estas afrontas o tempo todo, ameaçando com implosões da ordem. Discursos destes levaram a atitudes com os acampamentos antidemocráticos em instalações militares, bombas para explodir Brasília, invasão dos três poderes, homem bomba no STF e articulação e conspiração de golpe de Estado.

Já a defesa da intervenção militar fez, primeiro, promover um racha nas forças armadas, em que vários oficiais passam a fazer parte do governo. Aliás, o Governo Bolsonaro foi, na história, desde a redemocratização o que mais nomeou e empregou militares no Planalto.

Com os militares de volta ao poder, era possível sonhar com a volta da ditadura. As investigações da Polícia Federal dão conta de que altas patentes de nossas forças estavam por trás dos acampamentos e também da tentativa de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

Este raio-X do governo Bolsonaro denota o caráter ideológico do bolsonarismo, desnudando a defesa de que não são ideológicos.

A pecha de que são a nova direita cai por terra quando vem à tona a truculência, violência praticada nos quatros anos de mandato.

As eleições municipais deste ano provaram que não foi só as esquerdas que perderam. Candidatos de extrema-direita apoiados por Bolsonaro foram derrotados nas principais cidades do País. Tentativas de protestos e manifestações contra o “sistema” floparam desde o ano passado.

Jair ainda tem popularidade, mas as denúncias de mandante de um golpe de estado, aliadas aos desastrosos anos no poder, podem desnutrir e desintegrar estas simpatias.

Por que Bolsonaro deve ser indiciado e julgado? Motivos

  1. As investigações da PF sobre a tentativa de golpe dão conta de que Jair não só apoiava a ideia, como era seu principal articulador.
  2. As máscaras dele e de seu ideário vão “pro vinagre”. Preso, ele se submete a encarar a realidade de sua hipocrisia.
  3. Caso preso, não será pelas 700 mil pessoas mortas na pandemia, mas suscita sua responsabilidade por isto.
  4. Por armar a população e retirar delas direitos sociais e primordiais para sua sobrevivência.
  5. Para o fortalecimento e consolidação da democracia.
  6. Para que a sociedade possa se reconciliar, que famílias separadas pelo bolsonarismo voltem a se respeitar e se harmonizar, independente de posições políticas.
  7. Para que as novas gerações tenham espelhos e exemplos de solidariedade, fraternidade e igualdade, repelindo o discurso de ódio.
  8. Que as instituições brasileiras possam se reorganizar, reciclar e banir de suas fileiras o golpismo e o fisiologismo.
  9. Que os símbolos nacionais sejam de todos e não de uma facção ideológica.
  10. Que o revisionismo retrógrado seja substituído pela memória, verdade e justiça.

Defender que alguém seja investigado e julgado pode não ser nobre como alguns defendem. Mas, para se fazer justiça, um processo penal garantindo direito irrestrito de defesa, não tem nada de ruim.

Quem pratica crimes e golpe de Estado é um dos mais graves: tem que responder criminalmente.

Um Poema

O tema de hoje foi denso e triste para o nosso País. Assim termino a coluna de hoje com o texto de nossa autoria que foi premiado no 25º Prêmio Cidadão de Poesia, organizado pelo poeta Otacílio Cesar Monteiro e o Sindicato dos Comerciários de Limeira e Região.

O poema conta minha experiência de 67 dias internado na Santa Casa de Misericórdia de Limeira. Espero que gostem

Ressurge como fênix e voa como condor

Um farrapo humano decepado em suas artérias

Machucado em suas crenças, um ponto de interrogação.

Um chamariz para outro plano veio como aviso prévio.

Ou só carne e osso e nenhum cérebro.

Ou o enfrentamento entre a vida e a morte.

Optou pela primeira, mas o sopro era fraco

Subiu ao desconhecido, aquele que crê sem ver.

Parecia depois de memorizar, se tratar de delírio?

Sonho?, ou do pó viemos e ao pó voltaremos.

E aí as dúvidas cercaram, o levando a desmistificar

O só acredito vendo, ou provas cabais e materiais.

Depois de longo tempo de indecisão e incertezas.

O sono conturbado, desperta feito uma Fênix.

Um pássaro Fenício, pronto para guerras com o fogo.

Tipo felinos tem inúmeras vidas, das cinzas

Ao renascimento bem antes da epopeia da ressurreição.

Feito a ave mito, acorda da aventura nada agradável.

Quase em transe, e aos poucos retorna a terra.

Sabe que a chance lhe foi dada.

Um Condor nasce, e voa livre sob uma nova era.

O pássaro dos Andes alto entre os seus pares

Vai a alturas jamais imaginadas por seres vivos.

A liberdade conduz o Condor.

De Deus Inca, é caçado por demônios humanos

Compara-se metaforicamente ao ser dos Andes.

Imagina agora em sua segunda existência

Voar alto além das nuvens rumo ao infinito.


Um bom final de semana a todas, todos e todxs

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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