E a Reforma Política vem aí

por Amilton Augusto

E a Câmara dos Deputados aprovou mais uma Reforma Política, pelo menos em primeiro turno, sendo que dessa vez em meio a maior crise da história do Brasil, enterrou o polêmico e tão discutido Distritão (nome dado ao sistema de eleição majoritário para deputado, onde os mais votados são eleitos), mesmo aprovado na Comissão Especial com folga, num suposto acordo para a ressureição da também polêmica coligação partidária, esta que havia sido extinta pela reforma de 2019.

Como se vê, e não canso de repetir, a eleição em nível municipal é o tubo de ensaio dos maiores absurdos que o Congresso pode experimentar para, então, verificando os pontos de acertos e desacertos, possam fazer os ajustes necessários àquilo que eles, parlamentares, querem enfrentar e utilizar na eleição geral. A prova dessa afirmação é o retorno das coligações, após aprovada a extinção para as eleições municipais de 2020, situação que exige dos vereadores e prefeitos uma maior atenção, justamente por que são esses que sustentam o sistema político nacional, afinal, sem a campanha em nível municipal não se elegem deputados federais, nem estaduais e senadores.

Desse modo, com mudanças tão importantes e impactantes para o cenário político-eleitoral do próximo ano, de rigor que façamos uma breve análise de alguns desses pontos, sem a intenção de esgotar o tema, mas com vias a trazer luzes ao debate e informações de interesse daqueles que enfrentarão o próximo pleito, além dos próprios eleitores, estes que são sempre os mais afetados por todas essas questões, afinal, diferente do que deveria ser e do prevê a Constituição, nada é votado e aprovado pensando no real detentor do poder, que é o povo.

E as mudanças são diversas, entre elas uma que se mascara de política de inclusão de minorias, mas beneficia os partidos em si, que é a previsão de contagem em dobro dos votos conferidos à candidatas e a negos para o cargo de deputados(as) federais, o que será considerado das eleições de 2022 até a de 2030, como forma de contagem para distribuição entre os partidos políticos dos valores decorrentes do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), contagem essa (em dobro) que só é considerada uma vez, o que podemos ter como exemplo que os votos conferidos a uma candidata negra não serão contados em dobro duas vezes.

Um ponto que gerou muita polêmica na discussão da Comissão Especial é o tema referente à cláusula de desempenho (ou cláusula de barreira), que tem por finalidade reduzir o número de legendas partidárias no Brasil, que hoje conta com 33 partidos, através de mecanismo que impede ou restringe o funcionamento das siglas que não alcançam determinado percentual de votos nas eleições gerais para o parlamento federal. Nesse sentido, o texto aprovado na Câmara altera a Emenda Constitucional nº 97, prevendo acesso ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral no rádio e na televisão aos partidos que tenham pelo menos cinco senadores, como alternativa ao número de deputados exigidos para as eleições de 2022 e 2026, ou seja, 11 deputados federais (2022) e 13 deputados federais (2026).

Em suma, mesmo que o partido não alcance o número de 11 deputados federais em 2022 e nem 13 deputados federais em 2016, mas tendo 5 senadores passará normalmente pela cláusula de barreira, conta que considera, além dos eleitos, aqueles que o partido já possua no Senado e não esteja disputando a eleição. Essa mesma regra terá validade para as eleições de 2030 em diante, quando terá fim a transição trazida pela Emenda nº 97, regra que, como se verifica com muita facilidade, visa beneficiar somente os grandes partidos (afinal raro existir um partido pequeno com senador, o que dirá com 5), flexibilizando, portanto, a exigência de número elevado de deputados federais eleitos.

O texto aprovado traz regras referentes a fidelidade partidária, na qual haverá a perda do mandato dos detentores de mandato proporcional (deputados federais, estaduais e distritais), além dos vereadores, que se desfiliarem do partido, salvo em caso de justa causa (entre outras, a janela partidária), como já previsto na legislação eleitoral, ou quando houver a concordância do partido político, como já ocorre pelo entendimento dos Tribunais eleitorais, o que, em nenhum dos casos será contado para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário ou do FEFC, além do acesso ao tempo de rádio e televisão.

Um ponto que impactará nas causas de inelegibilidade e promete gerar muita discussão judicial é o que prevê a alteração da data da eleição para a semana seguinte, sempre que as eleições forem ocorrer em domingos próximos a feriados nacionais na quinta-feira ou na sexta-feira anterior, o que por certo mira em cheio o feriado de 12 de outubro, mas somente no pleito referente aos cargos majoritários de prefeitos, governadores e presidente da República. No mesmo sentido de mudança de datas, a data da posse dos cargos de Presidente da República e de Governadores passa a ocorrer em 5 e 6 de janeiro, respectivamente, e não mais em 1º de janeiro, regra, no entanto, que só terá validade para a posse dos eleitos nas eleições de 2026.

Pontos importantes que mereciam atenção, tais como a ampliação do tempo de propaganda eleitoral, a flexibilização das regras de campanha, bem como o retorno do financiamento empresarial de campanhas ficaram de fora e, enquanto não tivermos um debate sério e completo de todo o sistema político-eleitoral, deixando de lado os interesses partidários e individuais dos parlamentares, não terão vez no Congresso.

Mas um ponto incluído na Reforma e cujo texto foi aprovado é o dos requisitos para apresentação de projetos de lei de iniciativa popular, ficando menos rígido e permitindo que a sociedade civil possa apresentar projeto de lei com apoio mínimo de 100 mil eleitores (a regra atual prevê a necessidade mínima de 1% do eleitorado de pelo menos cinco estados, com no mínimo 0,3% em cada estado), independentemente da distribuição por estados, além de ser permitida a coleta de modo eletrônico, embora tal previsão só diga respeito ao protocolo do projeto e não a sua inclusão em pauta de votação do Congresso, o que poderá ser alterado com a aprovação da SUG nº 22 que se encontra em tramitação no Senado.

Como se vê, teremos mudanças no processo eleitoral e até fora dele, texto que, como dito inicialmente, fora aprovado em primeiro turno na Câmara, necessitando ser aprovado em segundo turno e, após, levado a votação no Senado por dois turnos para entrar em vigor. Fato é que, mais uma eleição se avizinha e, novamente, mais uma mudança na legislação eleitoral, talvez não tão necessária como dizem, mas, certamente, com vias a defender os interesses daqueles que a realiza, deixando de fora da discussão os temas que realmente interessam aos eleitores e ao momento grave que o Brasil atravessa, lamentavelmente!

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br

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