Danos psicológicos causados pelo home office em tempos de isolamento social

por Rafaella Siqueira
Diante da pandemia gerada pela Covid-19, o trabalho remoto passou a ser aderido pelas empresas de forma mais ampla, fazendo com que cada vez mais as pessoas trabalhem de casa, o que, se não for bem organizado, pode trazer consequências na produtividade, no convívio familiar e, especialmente, causar transtornos mentais.

Neste contexto, com o isolamento social adotado para evitar o contágio em massa do vírus, os trabalhadores se depararam com o trabalho remoto em larga escala, tendo que se adaptar à uma nova rotina de trabalho. E assim, além das dificuldades mais técnicas enfrentadas, como as conexões de internet e mobília adequada, os trabalhadores precisaram conciliar suas atividades domésticas com o labor, lidando com situações particulares e/ou familiares juntamente com suas obrigações do trabalho.

Se por um lado o trabalho remoto foi crucial para garantir a continuidade das relações de trabalho durante o isolamento social, não se pode olvidar que o empregado passou a ter que gerenciar a vida pessoal e profissional dentro de um mesmo espaço físico, e, na maioria das vezes juntamente com outros familiares também em home office, dividindo-se entre as cobranças e metas do trabalho com a cobrança familiar, bem como com as tarefas de casa, tentando a todo momento conciliar as atividades, sem que uma interfira na outra. 

A ampliação do trabalho remoto no Brasil e em todo o mundo, sem dúvidas, traz um saldo bastante positivo a empregados e empregadores, tanto é que todas as pesquisas realizadas de março de 2020 até o momento indicam, de forma maciça, que os colaboradores apontam que ao menos a manutenção de um regime híbrido de trabalho será essencial daqui em diante. No entanto, isto não quer dizer que o trabalho remoto não aspire certos cuidados, apesar de sua ampla aceitação.

Pois em muitos casos, os trabalhadores não conseguem “se desligar” do trabalho, e mesmo após o final do expediente frequentemente acabam se estendendo para a realização de tarefas relacionadas ao trabalho, como também ficam mentalmente conectados a questões profissionais, podendo assim, ensejar danos psíquicos, transformando o excesso de trabalho em estresse.

Nesta perspectiva, os empregados precisam manter um equilíbrio para conseguirem se desligar do trabalho e viver sua vida privada, mas isso nem sempre é possível, necessitando de apoio do empregador para manter sua saúde física e mental.

Portanto, é crucial que os empregadores estejam cientes deste problema e busquem não ser coniventes a indícios de que o empregado tem trabalhado de modo exagerado além de seu expediente, o que pode não só refletir em judicializações sobre horas extras e jornada de trabalho, como também ocasionar distúrbios mentais que poderiam ser encarados como relacionados ao trabalho, causando assim um risco de passivo trabalhista por doença ocupacional.

Em análise de jurimetria realizada, verificamos que desde março de 2020, há 6.965 processos que citam o termo “burnout” em petições iniciais, em dado que chamou a atenção é que a cidade de Campinas/SP lidera esse ranking com 1.026 processos, muito à frente de São Paulo/SP que possui 640 processos com este contexto.

Segundo a Dra. Gabriela Armond, psicóloga, psicanalista e responsável técnica do Psicologia24hs, os principais transtornos mentais que podem acometer os trabalhadores de home office são: depressão, ansiedade, burnout, TOC (transtorno obsessivo compulsivo) e, exaustão mental. Ela alerta quando ao Burnout: “Você só pensa em trabalho e perdeu o prazer em atividades cotidianas que não estejam relacionadas a ele? Não descansa, realmente não consegue parar de trabalhar e percebeu que está se afastando das pessoas? Tem uma sensação de raiva e impaciência constantes? O Burnout é um transtorno que está crescendo no ambiente ocupacional e merece a atenção adequada, pois esse foco excessivo no trabalho não é normal. O distúrbio causa, também, um esgotamento físico e mental, intimamente ligado à vida profissional. Fale com um psicólogo para encontrar o equilíbrio e ter apoio na retomada da sua qualidade de vida imediatamente”.

Uma forma de agir preventivamente, é disponibilizar atendimentos psicológicos, atendimentos à saúde física e financeira, com profissionais disponíveis de forma online, além de criar canais internos com intuito de interação social e rede de apoio.

Um outro exemplo é transmitir aos empregados formas de melhorar sua experiência no home office, como redecorar o ambiente o tornando mais agradável, ter um amplo manual orientações de ergonomia e incentivar hábitos saudáveis.

Necessário também demonstrar aos trabalhadores a importância de se criar rotinas de horários para começar e terminar o trabalho, assim como pré-estabelecer horários para as refeições diárias. E é muito importante que o empregador forneça capacitação e treinamento onde deixe claro que preza pelo direito à desconexão do empregado e que adota mecanismos para que isto funcione na prática, não compactuando com situações concretas onde recorrentemente exista uma continuidade da jornada de trabalho além do expediente.

Portugal tem se mantido na vanguarda quando falamos em medidas para coibir os efeitos colaterais do home office. A legislação portuguesa aprovou recentemente modificações após o crescimento do home office durante a pandemia do coronavírus. Pelas novas regras em vigor, os empregadores não poderão enviar mensagens para os empregados após o horário de trabalho, sendo ainda proibidos de monitorar seus trabalhadores em casa com câmeras do computador, e ao menos a cada dois meses as reuniões com a chefia deverão ocorrer presencialmente para atenuar o isolamento.

No Brasil, existem vários projetos de lei em andamento no Congresso Nacional objetivando assegurar medidas para resguardar os trabalhadores durante o home office, mas nada de concreto foi aprovado.

A parte positiva vislumbrada do momento atual no Brasil é que, com o avanço da vacinação em nosso país e queda dos índices de contágio, o isolamento social não seja mais uma prática necessária a partir de 2022 e com isso se acentue ainda mais os benefícios do home office e que, deste modo, os efeitos colaterais causados por aliar isolamento social e trabalho remoto sejam reduzidos, já que tornará possível que o empregado melhor desfrute das facilidades do home office sem que tenha que se manter em estado de isolamento. 

Assim, importante que a empresa esteja atenta aos seus colaboradores, realizando um trabalho em conjunto ao departamento de gestão de pessoas, preocupada com o bem-estar de seus funcionários com busca constante pela conservação da saúde física e psíquica de todos.

Rafaella Siqueira é advogada, formou-se na Universidade São Judas Tadeu e é pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie, atuando na seara trabalhista desde 2015. Atua no escritório Claudio Zalaf Advogados Associados.
E-mail: rafaella.siqueira@zalaflimeira.com.br

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.