Por João Geraldo Lopes Gonçalves
Na última segunda-feira (5 de abril), os vereadores da Câmara Municipal votaram moção de aplausos, apresentada pela vereadora Isabely Carvalho (PT).
O conteúdo diz respeito à decisão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em garantir vagas a pessoas trans, travesti e não binárias em seus cursos de graduação.
As cotas, já garantidas por lei desde 2012, são ampliadas para grupos específicos. No entanto, na prática, era preciso definir qual ou quais e a forma.
Por unanimidade o Conselho da Reitoria da Universidade decidiu definir cotas. A partir do próximo Enem e vestibular, a prática será adotada. Se uma sala de aula tiver 30 alunos, haverá uma vaga a mais. Acima de 30, duas vagas.
A medida não prejudica as vagas oferecidas pelo vestibular e critérios do Exame Nacional. Aliás, os mesmos critérios para outras cotas serão adotados para esta parte da população. Mais uma política afirmativa e de correção das desigualdades sociais em prática.
Isto que alguns edis de nossa egrégia Casa de Leis não entenderam ou fizeram de caso pensado. A moção apresentada pela vereadora petista teve sete votos favoráveis e os nove contrários.
Entre os contrários, estava o vereador Guilherme Guido, bolsonarista e do Partido Liberal. Guido é o mesmo que apresentou moção pedindo anistia para os golpistas do 8 de Janeiro de 2023.
Desta vez, se superou fazendo uma defesa com argumentos pra lá de conservadores, para não dizer outros adjetivos. A linha de argumentação cita a meritocracia como ponto de fundamento para desaprovar as cotas.
A meritocracia, para quem não sabe, prega o esforço individual na busca de oportunidades. O neoliberalismo lá nos anos 90 levantava esta bandeira. Ou seja, se não for competente, nada terás.
Esta tese levou a falência vários parques industriais no Brasil e no mundo afora. Os governos nada faziam para garantir a permanência destas empresas em funcionamento. Isto gerou desemprego recorde, arrocho de salário e o início da pejoritização do trabalho.
No início dos anos 2000 em razão desta política, chegamos a mais de 50 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. A tal meritocracia definiu, por exemplo, que brancos deveriam ter mais oportunidades do que negros.
No Brasil pós-escravidão, até meados da década de 30, crianças de famílias negras eram proibidas de ir à escola. A cor da pele era o motivo real. Mas a aparente era a tal da competência.
Mesmo critério utilizado para proibir mulheres de votar. Ser mulher já a colocava como um ser inferior aos homens intelectualmente e fisicamente. A meritocracia funciona em sociedades onde há um mínimo de inclusão social.
Não se pode exigir capacidades laborais e mentais de quem é excluído. De quem precisa trabalhar para sobreviver, não sobrando tempo para os estudos.
Por exemplo: o vereador Guido teve oportunidades mil, inclusive de se tornar profissional e bem-sucedido na natação. Mas como Guido podemos citar raros casos.
Um garoto ou garota de periferia negra ou da comunidade LGBTQIA+ quase nunca terão estas oportunidades. No caso da comunidade trans e afins, a questão é bem pior.
Segundo dados de entidades internacionais, o Brasil é o que mais mata trans no mundo. A maioria destas pessoas são jovens entre 15 e 23 anos.
Até a pouco tempo, a transsexualidade era tida como doença mental. Precisou que a Organização Mundial de Saúde se posicionasse contrária a esta tese.
No Brasil, mesmo o Sistema Único de Saúde (SUS), proporcionando serviços e apoio a comunidade ainda há barreiras.
Agora recentemente que o Estado aprovou o registro em cartório do nome social como legitimo e necessário, não só para afirmação de gênero, mas para inclusão social.
Há outras questões ainda em debate, como o uso dos banheiros públicos e outros. Percebe que o problema nada tem a ver com meritocracia.
As cotas são um expediente recente, datadas da década primeira deste século.
Deram início a esta política a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e a Universidade Nacional de Brasília, com cotas para a comunidade negra.
Se as cotas existem, não são para distribuir privilégios. Se elas são necessárias, é porque ainda somos um País desigual.
Oportunidade aqui está intimamente ligada a status social e condições econômicas.
A meritocracia, se houvesse condições justas e iguais de concorrência, seria o maior sistema do mundo. Por isto, os argumentos do jovem vereador não condizem com a realidade.
Em seus perfis da Internet, Guilhermo Guido fala muito em democracia. Outro conceito que nos parece que ele tem dificuldades para compreender.
Um País democrático promove a distribuição de rendas e oportunidades. Não o contrário. Enquanto convivermos com injustiças, as cotas são necessárias para corrigi-las.
Parabéns a Unicamp e à vereadora Isabelly Carvalho.
Campanha importante
E falando em direito e inclusão social, a Defensoria Pública de Limeira cumpre o seu papel. Será no próximo sábado, dia 10 de maio, o 3º Mutirão de Prenome e Gênero de Pessoas Trans.
É a oportunidade de legalizar a condição de gênero e afirmar os direitos como cidadã ou cidadão. Anote: Será das 9h às 13hs.
A sede da Defensoria fica na Avenida Maria Buzolin, 614, Jd. Piratininga, em Limeira.
A todas, todos e todes, um bom final de semana.
João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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