Por João Geraldo Lopes Gonçalves
Nos primórdios de discussão sobre a criação de um Partido dos Trabalhadores em 1979, chegou-se a defender a expropriação dos lucros dos bancos. Lucros, neste caso, juros sobre juros, cobrados até os dias de hoje.
O PT das origens propunha o fim desta modalidade exploratória que joga milhões na miséria e freava o desenvolvimento do País. Sim, era uma proposta socialista, mas perfeitamente adotada no capitalismo.
Para o Estado Brasileiro, era se livrar dos juros tanto da dívida externa quanto interna, a famosa dívida pública. O partido defendia naquele momento que o rentismo, o especulador financeiro, que crescia ano a ano, em detrimento de uma crise do capital produtivo, fosse combatido.
É bom explicar que o K especulativo não produz um prego. Ele pressiona os grupos e pessoas, cobrando juros altos e buscando se beneficiar das dívidas do governo com o sistema financeiro.
O partido do presidente Lula já questionava este setor, formado por bancos, financiadoras e outras instituições do sistema naqueles tempos.
Mas que o próprio presidente disse certa vez: o mundo mudou e eu também, em 2002 após a FIESP, aquela do pato, afirmar que se ele, Lula, vencesse as eleições daquele ano, empresários deixariam o Brasil. Veio a Carta ao Povo Brasileiro.
Ao contrário do que muitos esperavam, o texto assinado pelo então candidato foi uma bacia de água fria às esquerdas. Dizer com todas as letras que manteria o superávit primário, para honrar compromissos da dívida, deixou militantes como este que vos escreve a ver navios.
O superávit primário, em uma tradução rápida, trata-se do excedente de arrecadação já descontadas as despesas para pagar títulos e dívidas internas e externas. O maior credor do governo são os bancos, capital chefe do tal mercado das finanças. O mercado por muito tempo foi apelidado de “mão invisível”. Com o advento da internet, o mundo que vê na palma da mão com um click, os tais invisíveis são conhecidos no Brasil.
As Faria Lima, bancos de investimentos e comerciais dominam a cena não só econômica, mas buscam ter incidência e influência na política. Os rentistas comemoraram quando Bolsonaro atribuiu ao Banco Central autonomia em relação ao Estado.
Trataram logo de colocar na presidência um aliado seu, que permanece até hoje. A política de câmbio acompanha juros altos, com pretensão de segurar a inflação. Mas a regulação inflacionária não depende apenas de decisões tecnocratas. Ela se desenvolve, com ações do governo, do mercado, bem como da sociedade.
Não há dúvidas de que os aumentos da cesta básica, de ativos e passivos no varejo e no atacado crescem acima do índice medido da inflação. Mesmo com o governo mantendo a isenção tributária aos rentistas, eles agem com tudo para sabotar uma política produtiva e de distribuição de renda.
O anúncio do Ministério da Fazenda, semana passada, de um pacote fiscal de cortes de gastos públicos, fez o dólar perpassar o valor de seis reais. O mercado é regulado pelo que aqui entra de dinheiro e quando ele sai, neste caso, da alta do dólar, desvaloriza nossa moeda e diminui nossa capacidade de investimentos.
Se não tem dinheiro, não há produção. O tal mercado não aprovou a proposta do governo e, feito uma criança quando lhe tiram um doce, chora e revida.
A chantagem do mercado é que os cortes não são suficientes para um Estado Mínimo, que não interfira na economia e pare de gastar com o social. E distribuir renda. Chantagem antiga, e que só parou no Governo Bolsonaro, que injetava ânimo político à pirataria dos juros e de cortes de direitos do povo.
Não acho o pacote de cortes revolucionário, nem um pouco reformista. Mais me parece agradar (tentar), gregos e troianos.
Se por um lado você tem o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil e a taxação acima de R$ 50 mil, há outros pontos que podem desequilibrar a balança a favor do rentismo.
Três pontos cruciais que retiram direitos dos mais pobres:
- A política de salário mínimo continuará a ser a atual, corrigido pela inflação anual, mais o PIB (Produto Interno Produto-, capaz de oferecer aumento real. No entanto o teto deste aumento não pode ultrapassar 2,5% ao ano.
- O abono salarial, mais conhecido como PIS/PASEP, será limitado a 1,5 salário mínimo.
- O BPC – Beneficio de prestação Continuada-, pago a pessoas deficientes e idosos, terá regulamentação que inclui, para efeito de calculo, renda de cônjuge ou ex que não mora no mesmo lugar, filhos que habitam na mesma moradia.
Uma parcela enorme de trabalhadores na faixa abaixo da linha da pobreza estará sofrendo efeitos negativos com a aplicabilidade destas medidas.
Embora outras medidas, como o fim das aposentadorias para filhos e filhas de militares, idade mínima de aposentadoria nas forças armadas, limite de altos salários no serviço público, nos parece que o pacote é um no cravo, outro na ferradura.
A taxação do capital rentista, limites para as famosas emendas parlamentares e as grandes fortunas, não entraram no plano de cortes. Bem como deixar de priorizar pagamento das dívidas, mantendo o superávit primário e com isto utilizar o excedente para investimentos sociais?
Parece-nos que a equipe econômica do governo está conseguindo convencer o presidente da necessidade dos cortes para agradar ou acalmar o mercado. Está na hora de os movimentos sociais reivindicarem uma fatia maior do bolo. Não aceitar cortes de direitos e impor que o sacrifício seja feito pelas elites.
Em tempo: em duas votações apertadas, a Câmara Federal aprovou quarta-feira, dia 4 de dezembro, dois projetos de lei sobre a política fiscal. O primeiro, sobre o arcabouço fiscal, e o segundo, que restringe e aperta critérios para recebimento de benefícios do governo, como Bolsa Família, BPC e outros. Mesmo o pacote não sendo tão favoráveis aos trabalhadores, os deputados, principalmente bolsonaristas, resistem a ele. Igualmente ao mercado, alguns políticos querem ver o povo brasileiro sangrar.
Dica de minissérie
Este ano em 1º de Maio, completaram-se 30 anos da morte do piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna. Lembro que era um domingo pela manhã. Estávamos na Igreja de São José Operário, éramos padrinhos de batismo da menina Isabella Souza, quando alguém entrou na igreja e avisou o padre da morte de Ayrton.
Foi um dia de um misto de alegria pelo batismo da Isa, mas de tristeza pela morte de nosso ídolo. Sim, Senna foi, sem dúvida, um daqueles ídolos eternos que fez um país do futebol, amar o automobilismo.
Realmente um fenômeno, jamais repetido. Só Ayrton foi capaz desta façanha. A Netflix nos brinda com uma minissérie de ficção com oito capítulos. Senna mistura fatos reais, com algumas não reais, mas que só enriquecem a trama. Alguns atores escolhidos mantêm a fisionomia igual às personalidades reais.
Eu recomendo assistirem.
A todas, todos e tudes, um bom final de semana.
João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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