Por Joice F. Pio
Tratando-se de Oriente Médio e a disputa política/étnica por territórios, observamos um cenário caótico, no qual vários fatores devem ser observados para um completo entendimento da realidade, como formação artificial das fronteiras, miscigenação, variadas e complexas lideranças políticas, religiões diversas, variedades étnicas, geografia ímpar e recursos naturais abundantes.
Entender o Oriente Médio exige seriedade e um estudo aprofundado das relações multifacetadas lá existentes, pois muitas vezes não há linhas claras que dividem Estado e religião. Logo, a complexidade e a atual situação nos fazem questionar o retrocesso de direitos conquistados, principalmente no que toca aos direitos humanos.
Atualmente, o Talibã voltou ao poder no Afeganistão, após 20 anos do ataque de 11 de setembro, controlando mais uma vez o país, local estratégico na geopolítica global com importantes recursos naturais. A retomada do poder ao Talibã impactou o cenário mundial e trouxe questionamentos atuais e importantíssimos para entendermos a realidade daquela região.
Neste cenário, é importante ressaltar que o Talibã afirma, por meio de seus prepostos, que não haverá retrocesso aos direitos conquistados e assegura o respeito aos direitos humanos, entretanto, existe uma preocupação internacional quanto às futuras decisões desse novo “governo”, visto que quando governaram o país, entre 1996 e 2001, o grupo impôs sua versão rigorosa da Lei Islâmica, a Sharia.
Em razão disso, a situação no Afeganistão é qualificada como preocupante pela comunidade internacional e esta sendo debatida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Nesse contexto, o secretário geral da ONU, António Guterres, fez um amplo e geral apelo para que ações em conjunto sejam tomadas a fim de evitar violações dos direitos humanos, principalmente, das mulheres e meninas daquele país.
Muito recentemente, em nota em 8 de setembro de 2021, Pramila Patten, diretora interina da ONU – Mulheres, retratou sua decepção e demonstrou o retrocesso ao observar ausência de mulheres no novo governo afegão. Segundo ela, a “participação das mulheres em todas as esferas da vida é também essencial para que o Afeganistão tenha uma sociedade inclusiva, forte e próspera”.
Vale destacar que mulheres e meninas constituíram um dos alvos prioritários das políticas repressivas do Talibã, entre 1996 e 2001, limitando de maneira inaceitável o seu convívio social, seja nas escolas, no trabalho, no direito de ir e vir e até mesmo sobre seus corpos. Não é demais, dessa forma, afirmar que as mulheres no Afeganistão estão sob risco iminente de terem seus direitos mais fundamentais infringidos e seus corpos possivelmente violados.
A luta pela formação dos direitos humanos e sua tipificação ocorreu de forma gradual, principalmente pós-guerras mundiais, no qual o processo de internacionalização trouxe uma série de documentos jurídicos e políticos sobre o tema, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento é aplicado de forma irrestrita na maioria dos países do mundo, sendo inaceitável que violações a seu teor sejam praticadas diuturnamente em países como Afeganistão, mas não estando o Brasil fora dessa lista.
Atualmente enfrentamos uma situação de retrocesso aos direitos humanos, que são essenciais para a conservação de um ambiente de paz social, sendo completamente descabidas discussões sobre quais roupas mulheres devem usar, a sua liberdade de circulação, se há permissão para trabalhar ou estudar. Essas práticas tão cotidianas e garantidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, não deveriam ser sequer temas para o já adiantado século XXI.
Hoje, mais que nunca, o artigo 1° da Declaração Universal de Direitos Humanos, deve ser visto e cumprido, não sendo demais relembrá-lo e citá-lo ipsis literis, ficando aqui como um resumo do valor de cada ser humano: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”.
Joice F. Pio é advogada e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Limeira
Artigo originalmente publicado na Revista Digital da OAB Limeira, edição de setembro
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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