“Um brasileiro, há alguns anos, entrou numa estação de metrô em Estocolmo, capital da Suécia. Ele notou que havia, entre muitas catracas normais e comuns, uma de passagem grátis livre. Então questionou à vendedora de bilhetes o porquê daquela catraca permanentemente liberada, sem nenhum segurança por perto. Ela, então, explicou que aquela era destinada às pessoas que, por qualquer motivo, não tivessem dinheiro para o bilhete da passagem. Com sua mente incrédula, acostumada ao jeito brasileiro de pensar, não conteve a pergunta, que para ele era óbvia: E se a pessoa tiver dinheiro, mas simplesmente não quiser pagar? A vendedora, espremeu seus olhos límpidos azuis, num sorriso de pureza constrangedora: – Mas por que ela faria isso? Sem resposta, ele pagou o bilhete e passou pela catraca, seguido de uma multidão que também havia pago por seus bilhetes… A catraca livre continuou vazia”.
O trecho acima é de um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que serviu como base para a Justiça de Limeira negar a aplicação do princípio da insignificância a um homem que tentou furtar um restaurante utilizando-se de uma comanda vazia. A sentença saiu nesta terça-feira (1/4).
Caso no restaurante
A história foi contada pelo DJ em julho de 2024. O caso aconteceu na tarde de 7 de julho. Ele e uma mulher entraram em um restaurante às margens da Rodovia Anhanguera com três comandas. Consumiram alimentos e colocaram produtos numa sacola. O registro das compras ficou apenas em uma comanda – as outras duas estavam vazias.
A conta ficou em R$ 286,90, mas ninguém quitou o valor. A mulher passou a comanda vazia na catraca e saiu. O homem fingiu teclar a máquina de autoatendimento e passava a outra comanda sem valor quando a atendente o questionou.
Ele alegou que estava com seu tio e voltou a falar com outra pessoa no setor de mesas. Depois, retornou às catracas e foi novamente alvo de perguntas. Nisso, entregou a comanda à funcionária, mas passou por baixo da catraca e saiu com a sacola.
A funcionária notou a ação e acionou a segurança. O homem foi detido já no acostamento da rodovia. Logo, chegou a mulher em um carro. Ela tentou propor um acordo, com a alegação de que não tinham dinheiro para pagar a comanda. Os funcionários, no entanto, acionaram a Polícia Militar Rodoviária. Na sacola, havia salada de frutas, energético, lata de doce de leite, bala e bebida.
Comanda e confiança
A Defensoria Pública alegou insignificância do ato, mas, para o juiz Guilherme Lopes Alves Lamas, da 2ª Vara Criminal, o valor de quase R$ 300 não é penalmente irrelevante. Segundo ele, diversos estabelecimentos adotam o sistema de caixa self-service, pelo qual o cliente passa suas compras e paga.
“Em uma sociedade minimamente civilizada, em que é possível confiar nas pessoas, tais serviços agilizam o atendimento e barateiam os custos. Se, porém, o Poder Judiciário endossar a ‘insignificância’, muitos se sentirão livres para burlar o sistema e não pagar”, observou o juiz.
“Ao contrário do que alguns poderão pensar, não só esses estabelecimentos é que seriam penalizados, mas todos os demais clientes honestos, que, fatalmente, seriam chamados a repartir esses prejuízos com o aumento dos preços dos produtos”, diz o juiz, citando, logo após, o trecho que abre esta reportagem, que consta em voto do desembargador Pedro Paulo Maillet Preuss.
A pena por tentativa de furto qualificado ficou em 1 ano e 4 meses de reclusão. O juiz a substituiu por pagamento de um salário mínimo e prestação de serviços comunitários. O réu pode recorrer em liberdade.
Foto: Diário de Justiça
Rafael Sereno é jornalista, escreve para o Diário de Justiça e integra a equipe do podcast “Entendi Direito”. Formado em jornalismo e direito, atuou em jornal diário e prestou serviços de comunicação em assessoria, textos para revistas e produção de conteúdo para redes sociais.
Deixe uma resposta