Comprador de apê ‘giardino’ será indenizado por não ser informado de caixas elétricas

Imagine você comprar um imóvel e investir para ter um apartamento tipo ‘giardino’ (aqueles situados no piso térreo de um edifício e que possuem uma área para quintal, inexistente nos demais apartamentos), e depois de tudo pronto, se deparar com caixas de inspeção elétricas na área. Foi o que aconteceu com um morador de Limeira (SP), que levou o caso à Justiça, já que não foi informado da presença destas caixas, que tornaram o local inservível para os fins propostos e gerando risco de choque elétrico.

A sentença deste caso saiu nesta quinta-feira (27/3). A ação foi contra a empreendedora do edifício e a construtora, mas houve desistência quanto a primeira. Seguiu o processo contra a construtora

Em contestação, a construtora sustentou a necessidade de esclarecimento em relação aos tipos de caixas, afirmando que a instalada é uma caixa de passagem de águas pluviais, prevista em projeto e necessária para o escoamento, obedecendo à NBR10844, e não uma caixa de inspeção elétrica. Negou, portanto, a existência de vícios, com observância da ABNT-8160, ressaltando a ciência do consumidor a respeito das caixas por meio de documentos e pediu que ele fosse condenado por má-fé.

A instrução foi complexa, com réplicas, laudos periciais e impugnações. Diante de farto conjunto probatório, o juiz Flávio Dassi Vianna, da 5ª Vara Cível, sentenciou com base no Código de Defesa do Consumidor.

Prática desleal

O magistrado verificou que as plantas do empreendimento entregues ao autor quando da compra do imóvel, bem como o memorial descritivo não cumprem com o dever de informação contido no art. 6º, IV, do CDC, na medida em que não anunciam a possibilidade de alocação de caixas de energia no interior da unidade autônoma, a garantir ciência efetiva do comprador quanto às reais características do bem adquirido, incorrendo em prática desleal.

Também aponta o previsto no artigo 30 quanto a publicidade de produtos ou serviços tem força vinculante e integra o contrato formalizado:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

“Daí extraem-se princípios fundamentais que visam à manutenção dos direitos protetivos consagrados no estatuto consumerista, a exemplo dos princípios da boa-fé objetiva, da informação e da vinculação contratual. Assim, decorre que a publicidade, como instrumento de persuasão nas relações de consumo, não assume apenas o papel de divulgação do produto, mas configura verdadeira promessa com viés vinculativo, devendo o consumidor ficar protegido das práticas enganosas ou abusivas que tenham o condão de frustrar suas legítimas expectativas”, diz a sentença.

Além disso, os artigos 31 e 37 do Código de Defesa do Consumidor, ao tratarem da transparência, da clareza das informações e da proibição da publicidade enganosa, impõem ao fornecedor responsabilidade objetiva pelo conteúdo veiculado. “Como já apontado, vê-se que o direito do consumidor à informação clara, precisa e suficiente sobre o produto não foi observado, em desrespeito ao previsto no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. A ausência de informações claras viola o já mencionado princípio da boa-fé objetiva, que não permite que as relações consumeristas sejam construídas sem lealdade e confiança mútua, sob pena de restar desequilibrada a relação contratual”.

Conclusão da perícia no apartamento giardino

O perito concluiu que a caixa existente na área privativa do apartamento giardino do autor é uma caixa de passagem elétrica, prevista no projeto mas em posição diversa, e que sua instalação não atende ao preconizado pela ABNT NBR 5410:2008 quanto à fácil acessibilidade, pois interliga blocos e serve a outras unidades, estando localizada em área privativa. Constatou que a presença da caixa impacta negativamente o uso da área privativa e que, conforme manual orientativo, requer inspeção anual, gerando necessidade de acesso à unidade.

Para o juiz, a restrição do direito de uso da área em que foi instalada a caixa de passagem, impõe o dever de indenizar, no valor apurado pelo perito, cuja avaliação seguiu as normas técnicas.

O perito avaliou o imóvel do autor utilizando o Método Comparativo Direto, apurando um valor de indenização total de R$ 16.968,11 para setembro de 2023, sendo R$ 10.824,44 referente à servidão de passagem e R$ 6.143,67 pelos incômodos ocasionados.

Pelo desrespeito ao consumidor, o juiz determinou a indenização por danos morais. “A hipótese não traduz mero aborrecimento do cotidiano. Os fatos geraram verdadeira intranquilidade, angústia e frustração na parte autora como consumidora, que se deparou com completo desrespeito a seus direitos, que evidentemente perturbaram sua tranquilidade e paz de espírito. A má prestação dos serviços é clara, tornando evidente a violação do seu direito”.

Foi arbitrado o valor de R$ 10 mil por danos morais. A construtora também foi condenada a pagar as custas processuais e horários advocatícios. Ela pode recorrer.

Foto: Freepik

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