S. (réu por homicídio)
[Eu já tô louco]
[Pra mandar ele debaixo da terra]
T. (réu por homicídio)
[Somos dois]
Relatório da Polícia Civil, entregue à Justiça de Limeira (SP) na última semana, revela conversas entre os dois acusados pelo homicídio de Erick Delatore de Araújo, de 16 anos, em janeiro de 2023, em um ritual macabro. As conversas foram extraídas do celular de S.S.C.J., em mensagens a T.O.R., “pai de santo”, ambos réus no processo. Os dois seguem presos.
A sequência de conversa que abre a reportagem é um dos trechos do relatório. Em manifestação, o promotor Rafael Fernandes Viana destaca outras expressões que constam nos diálogos.
“S. expôs sentir ‘ódio’ da vítima e a intenção de mandá-lo para ‘debaixo da terra’, sentimento e intenção compartilhados por T., com diálogos mantidos entre [os réus) e a vítima no dia dos fatos, combinando um ‘trabalho’ espiritual”. Para o promotor, as conversas corroboram a tese de que ambos mataram o adolescente.
Em 14 de janeiro, dias antes do homicídio, S. avisa T. que descobriu mais coisas sobre Erick. “Triplicou meu ódio”, diz. Conforme a conversa, Erick estaria conversando com a ex-namorada de S. sobre a religião deles. E cita que S. teria feito “macumba para ela”, explicando o local em que eles exercem a religião.
Em seguida, ocorreu a troca de mensagens do início deste texto. Em data próxima do crime, T. adotou uma postura diferente nas conversas. Começou a apagar mensagens que enviou. Por outro lado, a polícia também constatou que S. apagou mensagens que trocou com o próprio Erick. Isso ocorreu em 21 de janeiro de 2013, data da morte do adolescente.
O relatório passa a integrar os autos, que está na fase de instrução. Em breve, uma nova audiência será marcada.
Entenda o caso Erick
Erick, S. e mais um jovem eram frequentadores de um local de prática religiosa e rituais que tinha T. como o médium, dono da casa que oferecia consultas.
No início da noite de 21 de janeiro, enquanto os quatro jogavam cartas e bebiam na casa espiritual, Erick anunciou que deixaria de frequentar o local. T. o alertou de que ele poderia sair, mas que não se responsabilizaria pelo que acontecesse após a perda de proteção. Para isso, disse ao adolescente que ele deveria acender vela em local próprio, como um ritual de saída da religião.
Durante a noite, T. guardou instrumentos em sua mochila, inclusive facas, e chamou todos para acenderem vela. Os quatro saíram da casa, passaram por uma capela próxima e, ao chegarem na estrada de terra, um jovem que é testemunha no processo decidiu ficar perto de um portão, pois não se sentia bem. Nisso, S. ficou ali o acompanhando e depois seguiu em frente somente com T. e Erick.
Os dois atraíram o adolescente a um local deserto, sob o pretexto de que lá acenderiam a vela para lhe dar proteção quando saísse da religião. Foi T. que determinou a Erick que se ajoelhasse e iniciasse a oração.
Ritual macabro
“Já no sítio do evento, os denunciados com objeto(s) perfurocortante(s) e, em prática de um ritual macabro, desferiram 21 golpes contra a vítima de forma violenta, atingindo várias partes do corpo, inclusive coração e pulmão, bem como causando-lhe grande lesão no braço, sendo que os ferimentos causados pela agressão foram a causa de sua morte”, narra a denúncia.
Em seguida, T. voltou pela estrada e, ao entrar na capela, dispensou a mochila que levava. Enquanto isso, S. retornou por outro caminho de T., que buscava se isentar de responsabilidade e imputava a ação ao colega. No dia seguinte, como Erick não retornava, a sogra do menino acionou o celular da filha para localizar o telefone da vítima. Chegaram ao local próximo à capela do Jd. Lagoa Nova. Em certo momento, encontraram S. nas proximidades com uma mochila. Ele estava nervoso e dizia que tinha ido acender velas.
Após insistência do médium, S. confessou à família de Erick e, posteriormente à Polícia Civil, que era o único autor do homicídio. As suspeitas ainda permaneciam sobre T e se evidenciaram a partir dos depoimentos das testemunhas na audiência realizada em 19 de julho de 2023. T. foi considerado o autor intelectual do crime e teve a prisão decretada pela Justiça.
Motivo torpe
Para o MP, o crime foi praticado por motivo torpe. Eles não aceitavam o desejo de Erick de sair do centro espiritual e, segundo a promotora, o mataram como forma de imolação, sacrifício, com 21 golpes de faca no dia 21 (de janeiro). O delito também ocorreu sem chances de defesa à vítima, que estava desarmada.
A promotora pede que S. e T. sejam pronunciados, ou seja, submetidos a júri popular por homicídio triplamente qualificado. A tese da defesa de S., apresentada na resposta à acusação, é de que T. foi o único executor do crime. T. nega participação no crime.
Foto: Diário de Justiça
Rafael Sereno é jornalista, escreve para o Diário de Justiça e integra a equipe do podcast “Entendi Direito”. Formado em jornalismo e direito, atuou em jornal diário e prestou serviços de comunicação em assessoria, textos para revistas e produção de conteúdo para redes sociais.
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