Casal perde tudo após construir em loteamento irregular

A situação de um casal que perdeu tudo o que tinha ao construir em loteamento parcelado ilegalmente aconteceu em Limeira, interior de SP, mas se repete em muitos lugares. Ao acreditar na vendedora do imóvel e assinar um contrato de gaveta, o homem e a mulher não imaginavam as consequências que enfrentariam anos mais tarde. Eles foram à Justiça, onde o caso teve desfecho com reviravolta, mas até a sentença desta terça-feira (29/4) sofreram pela falta de diligências antes de depositarem as economias de uma vida no negócio.

Eles compraram, em 2019, metade de uma gleba de terras com 22.000 m², no Bairro dos Pires de Baixo, mediante contrato particular de compra e venda. Quem vendeu foi uma mulher, que eles acreditaram que ela comprou a propriedade de outra, que por sua vez adquiriu de um espólio. Todas estas pessoas foram incluídas na ação.

Cadeia sucessória de transmissão do imóvel

Representante do espólio esclareceu em contestação a realidade da propriedade, que o casal não tinha conhecimento quando fechou o acordo. Resumo do que esclareceu a inventariante representante do espólio: em 2016, o espólio, representado por todos os seus sucessores, alienou para uma mulher uma gleba de terras com área de 145.200,00 m², ou ainda 6 alqueires de terras, a qual foi objeto de levantamento topográfico e respectiva demarcação.

Ficou convencionado na cláusula 3ª do instrumento que a outorga da escritura definitiva se daria após o encerramento do inventário e o procedimento de desmembramento. O negócio jurídico feito entre essa mulher e uma outra (esta que vendeu parte das terras aos autores) aconteceu sem qualquer anuência dos herdeiros.

Quando houve a expedição de alvará judicial para outorga da escritura definitiva em favor da adquirente (a primeira mulher), foi marcado para janeiro de 2022 para que ela comparecesse ao cartório para assinatura dos documentos. Ela não compareceu.

Loteamento irregular

A representante do espólio destacou que o contrato tem impedimento legal de “o comprador realizar sub-desmembramento, parcelamentos ou outro tipo de alienação antes da outorga da escritura e seu registro na matrícula”, condição que não foi respeitada pela adquirente, que de forma irregular procedeu ao parcelamento do solo, alienando a área a terceiros.

Tanto a primeira adquirente quanto a outra, que vendeu parte da propriedade aos autores, também foram citadas, mas não se manifestaram nos autos. Quanto ao espólio, o juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 4ª Vara Cível, verificou que, de fato houve uma cadeia sucessória de transmissão do imóvel, mas sem relação direta com o espólio.

O fato de o espólio figurar no início da cadeia dominial não o torna responsável por eventuais irregularidades praticadas pelos adquirentes subsequentes. Além disso, constava expressamente no contrato a proibição de “o comprador realizar sub-desmembramento, parcelamentos ou outro tipo de alienação antes da outorga da escritura e seu registro na matrícula”.

Sentença

Com este ponto resolvido, o juiz analisou a responsabilidade das outras duas mulheres: a que comprou do espólio e a que comprou dela, sendo esta última a que vendeu uma fração ao casal.

De início, o magistrado viu que o contrato feito com o casal está eivado de nulidade por ter como objeto um imóvel irregularmente parcelado, sem a observância das normas legais pertinentes. Há, inclusive, uma ação civil pública movida pela Prefeitura de Limeira, visando o desfazimento do parcelamento ilegal no local.

Localizado em área rural, o imóvel está inserido em Macrozona Rural de Proteção de Mananciais e teve a comercialização de frações sem a prévia aprovação dos órgãos competentes, em clara violação à Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Todo projeto de loteamento e desmembramento deve ser aprovado pela Prefeitura Municipal.

Portanto, o parcelamento irregular, além de violar a legislação urbanística, representa potencial risco ao meio ambiente, especialmente por se tratar de área de proteção de mananciais.

Diante do exposto, a Justiça reconheceu a nulidade do contrato de compra e venda celebrado com os autores e determinou o retorno das partes ao status quo ante, com a consequente devolução dos valores pagos.

O casal também deve ser indenizado por danos morais, pois entendeu o juiz que os transtornos sofridos ultrapassam o mero aborrecimento ou dissabor cotidiano. “De fato, os autores, pessoas simples e de parcos recursos financeiros, investiram a quantia de R$ 112.000,00 na aquisição de um imóvel, acreditando na legitimidade do negócio jurídico celebrado. Além disso, realizaram benfeitorias no local, construindo uma edícula e um poço artesiano, para depois descobrirem que o imóvel havia sido irregularmente parcelado e que estavam impedidos de ocupá-lo, sendo inclusive processados”.

As duas mulheres foram condenadas a, solidariamente, restituírem aos autores o valor de R$ 112 mil, de forma corrigida. Também devem pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais. Elas podem recorrer.

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Foto: cookie_studio no Freepik

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