
Bateram na casa de um aposentado de Limeira, interior paulista, e se apresentaram como funcionários do INSS que estavam ali para fazer a prova de vida. Eram golpistas. O INSS não envia funcionários para a residência de beneficiários. As únicas formas de prova de vida presencial são no balcão de atendimento do órgão pagador e nos terminais de autoatendimento do banco pagador (caixa eletrônico).
Há também a prova de vida digital, realizada no aplicativo gov.br, através do reconhecimento facial.
Mas o morador de Limeira acreditou que as pessoas que bateram em sua porta eram funcionários do INSS e passou todas as suas informações pessoais e, inclusive, tiraram fotos dele. Resultado da ação criminosa: empréstimo pessoal no valor de R$ 5.933,12 e empréstimo consignado no valor de R$ 21.941,36 no nome do aposentado.
Também abriram uma conta digital PagSeguro para transferências dos valores dos empréstimos.
Com orientação jurídica, o idoso foi à Justiça contra as instituições financeiras: a que paga seu benefício (Mercantil) e a que abriu conta para os golpistas fazerem as transferências (PagSeguro). De imediato, pediu tutela de urgência, que foi deferida. Ambos os bancos cumpriram a liminar.
Em contestação, a primeira instituição bancária alegou ilegitimidade passiva em virtude de carência da ação por culpa exclusiva da vítima. Defendeu a existência e validade das contratações, pois foram realizadas por meio de autorização eletrônica, isto é, mediante uso de dados e senha pessoal.
Entre outros argumentos, afirmou também que nada teve a ver com a situação ocorrida, que aconteceu por falta de malícia e cuidado do autor e/ou segurança pública, sendo caso de culpa exclusiva de terceiros. E que, desta forma, não se pode atribuir a responsabilidade objetiva do fornecedor em toda a causa consumerista sobretudo quando existem elementos que apontem para a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
A segunda instituição, que abriu conta para transferências, alega ausência de provas mínimas do que o autor disse e ausência de impugnação específica das cláusulas contratuais. Entre outros, apontou inexistência de falha na prestação de serviço, sendo responsabilidade do autor a guarda dos seus dados pessoais e que a abertura de conta foi validada com documento pessoal da parte dele.
O caso foi analisado pelo juiz Flavio Dassi Vianna, da 5ª Vara Cível. Sentença desta terça-feira (1/4) deu razão ao aposentado.
O magistrado verificou que os dois contratos juntados pelo autor foram realizado de forma eletrônica e, embora os valores tenham sido liberados e creditados em conta de titularidade do autor junto ao Banco Mercantil do Brasil, foram realizadas mais de 80 transferências de valores inferiores a R$ 400, no intervalo de 3 dias para outro banco, revelando a atipicidade das operações realizadas em nome dele, com nítido indicativo de golpe financeiro, evidenciando a falha na prestação do serviço bancário pela falta de segurança que dele se esperava.
Quanto à abertura de conta junto ao Pagseguro, o juiz aponta que, como o autor não poderia ser obrigado a comprovar fato negativo, qual seja, que não realizou contratação com o réu (prova diabólica), competia ao réu trazer para os autos documentos de que foi realmente o autor quem realizou a abertura da conta. “Porém, não se desincumbiu desse ônus, uma vez que nenhum documento foi juntado com a contestação. Assim, na ocorrência de fraude perpetrada por terceiros na contratação de produtos e serviços fornecidos ao consumo deve ser entendida como abarcada pelos riscos da própria exploração da atividade econômica, não devendo ser repassada ao consumidor, estranho ao fato, nem mesmo deve ser considerado como caso fortuito ou força maior para afastar a responsabilidade do réu”.
Diante de inúmeros julgados, o juiz declarou a nulidade dos contratos e reforçou que todo o processo de fraude, desde a elaboração dos contratos pelo banco, que não foram autorizados pelo autor, até o desfecho com o sucesso através do recebimento dos valores pelos fraudadores, se deu em decorrência de falha na segurança dos requeridos. “Nesse sentido, o autor não se beneficiou de nenhuma quantia, portanto não há que se falar em restituição de valores. Por outro lado, o desrespeito para com o consumidor deve ser coibido de modo a impedir a repetição de tais atos”. E não trata-se de mero aborrecimento do cotidiano, lembra o magistrado. Os fatos geraram verdadeira intranquilidade, angústia e frustração como consumidor, que se deparou com completo desrespeito a seus direitos, que evidentemente perturbaram sua tranquilidade e paz de espírito.
Os contratos foram declarados nulos e as instituições bancárias foram condenadas a realizar a restituição simples dos valores indevidamente descontados, de forma solidária.
Também de forma solidária devem indenizar o aposentado em R$ 10 mil por danos morais. As instituições ainda podem recorrer.
Foto: Freepik
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