A herdeira de um imóvel no centro de Limeira (SP) viveu um verdadeiro dilema após o falecimento do pai e permanência da então companheira dele no apartamento. Ela precisou ir à Justiça para usufruir de sua herança e fazer com que a mulher pague as dívidas que deixou acumular – aproximadamente R$ 60 mil de IPTU e R$ 58 mil de taxas condominiais.
- Limeirense usa programa malicioso em jogo e processa empresa por ter sido suspenso
- Estado confirma escola cívico-militar em Limeira
- Trio que furtava celulares no transporte público de Limeira é condenado
- Leilão milionário da Receita Federal é questionado na Justiça
- Idosas acham cartão em Iracemápolis e vão gastar em mercado e clínica de estética
A herdeira moveu uma ação de extinção de usufruto cumulada com indenização por danos materiais e morais e obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela de urgência contra a ex-companheira do pai. Ela informou que que é coproprietária de imóvel localizado em edifício no centro da cidade, conforme matrícula apresentada.
Quando da compra do imóvel, ela utilizou valores doados por seu pai, na condição de que lhe fosse instituído o usufruto, sendo que por motivos particulares, na época, tal usufruto não foi gravado na matrícula. Após o falecimento de seu pai, que ocorreu em 09/03/2021, a requerida, que vivia com ele, se negou a deixar o imóvel.
Em razão disso, foi ajuizada ação de arbitramento de aluguel, na qual foi reconhecido o direito real de habitação da companheira sobre o imóvel. A autora demonstrou que a mulher estava pagando as despesas do imóvel, como taxas de condomínio e IPTU, o que tem acarretado ações de execução fiscal contra os proprietários.
Afirma que os proprietários vêm sendo acionados judicialmente em razão desses débitos, que somam aproximadamente R$ 60 mil apenas em IPTU, além das taxas condominiais que perfazem cerca de R$ 58 mil.
Apontou, ainda, que as citações relativas às execuções fiscais são dirigidas ao endereço do imóvel, sendo recebidas pela mulher, que não as repassa aos proprietários, o que tem gerado prejuízos decorrentes da revelia em algumas ações.
A tutela de urgência foi indeferida e, citada, a ex-companheira apresentou contestação sustentando que viveu em união estável com o pai da autora desde 10/12/1978, conforme escritura pública declaratória, e que esta união já foi reconhecida no bojo do inventário. Alegou que há coisa julgada sobre seu direito de usufruto, reconhecido na ação anterior.
Sustentou que não tem condições financeiras de arcar com os débitos, uma vez que não teve liberada sua meação no inventário. Invocou o Estatuto do Idoso e arguiu a prescrição da pretensão indenizatória. Alegou, ainda, que as dívidas anteriores ao falecimento do companheiro seriam de responsabilidade do espólio.
O caso foi analisado e julgado pelo juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, da 4ª Vara Cível, que sentenciou nesta segunda-feira (14/4).
Descumprimento das obrigações legais leva à perda do direito real de habitação
O juiz verificou a existência do direito real de habitação da requerida sobre o imóvel reconhecido judicialmente. No presente caso, esclarece o magistrado, não se discute a existência desse direito, mas sim a possibilidade de sua extinção em razão do descumprimento das obrigações legais inerentes ao usufruto/direito real de habitação.
Ele destacou que o Código Civil, em seu artigo 1.410, VII, prevê como uma das causas de extinção do usufruto:
Art. 1.410: O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: (…) VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
Por sua vez, o artigo 1.403 do mesmo diploma legal estabelece as obrigações do usufrutuário:
Art. 1.403: Incumbem ao usufrutuário: I – as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu; II – as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída.
E o artigo 1.416 dispõe que:
Art. 1.416: São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto.
“Portanto, é evidente que ao usufrutuário ou ao titular do direito real de habitação incumbe arcar com as despesas ordinárias de conservação do bem, bem como com os tributos e prestações devidos pela posse do imóvel, como o IPTU e as taxas condominiais. No caso em análise, restou comprovado que a requerida não vem cumprindo com tais obrigações”, diz trecho da sentença. Com as ações de execuções fiscais há, inclusive, o risco de penhora e expropriação do imóvel.
O juiz destaca que a alegação da requerida de que não possui condições financeiras para arcar com tais despesas não a exime das obrigações legais inerentes ao usufruto/direito real de habitação. “O usufruto confere ao seu titular o direito de usar e fruir da coisa, mas também lhe impõe deveres, como o de conservação e o pagamento dos tributos e encargos relativos à posse do bem”.
A inadimplência teve início em 2014, muito antes do falecimento do companheiro da requerida, ocorrido em 2021. “Ademais, a requerida não comprovou que tenha tomado providências para buscar a regularização dos débitos, como o parcelamento junto à municipalidade ou o acordo com o condomínio, nem demonstrou qualquer iniciativa concreta nesse sentido”.
Diante desse quadro, constato que restou configurada a hipótese prevista no artigo 1.410, VII, do Código Civil, autorizando a extinção do usufruto/direito real de habitação.
A ação foi julgada parcialmente procedente para:
– Determinar a expedição de mandado de imissão de posse em favor da autora, concedendo à requerida o prazo de 60 dias para a desocupação voluntária do imóvel, contados do trânsito em julgado desta sentença;
– Condenar a ex-companheira ao ressarcimento de débitos de IPTU, bem como das taxas condominiais inadimplidas (a serem objeto de liquidação de sentença), valores que deverão ser corrigidos monetariamente;
– Condenar também a mulher ao pagamento das despesas de IPTU, condomínio e demais encargos que vencerem até a efetiva desocupação do imóvel;
– Determinar que entregue à autora toda e qualquer correspondência recebida no imóvel, referente a citações ou intimações, dívidas, protestos, entre outros, referente ao imóvel em questão.
Ela pode recorrer.
Foto: ArthurHidden no Freepik
Deixe uma resposta