Aluguel por plataforma digital é diferente do tradicional: professor explica decisão recente do STJ

​​Por maioria de votos, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta semana que, caso a convenção do condomínio preveja a destinação residencial dos imóveis, os proprietários não poderão alugá-los por meio de plataformas digitais como o Airbnb. Porém, a convenção do condomínio pode autorizar a utilização das unidades nessa modalidade de aluguel.

Para o colegiado, o sistema de reserva de imóveis pela plataforma digital é caracterizado como uma espécie de contrato atípico de hospedagem – distinto da locação por temporada e da hospedagem oferecida por empreendimentos hoteleiros, que possuem regulamentações específicas.

Sobre este assunto, o DJ conversou com o professor do curso de Direito do Isca Faculdades, Wilson Figueiredo. Ele é doutor, mestre e especialista pela Unicamp. Também é assessor jurídico do Ministério Público Federal (MPF), na Procuradoria da República em Campinas.

DJ – A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, caso a convenção do condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais, como o Airbnb. É uma decisão correta, em seu ponto de vista?
Professor – Sim, eu acho correta, porque esse tipo de locação poderia evidenciar situações enganosas com relação a quantidade de pessoas que iriam ocupar o imóvel bem como provocar uma situação de perigo para os demais condôminos. Além disso, a propriedade passa a ter natureza comercial e não residencial, como se fosse um hotel, flat ou algo semelhante. E ainda a locação informal e fracionada é bem diferente da locação tradicional, desrespeitando a convenção do condomínio. Ademais, pela alta rotatividade de condôminos, por mais que seja seguro o condomínio, sempre haverá a “sensação de falta de segurança” pelos condôminos vizinhos, porteiros, zelador, síndico, membros do conselho administrativo e fiscal e da própria administradora condominial.

Conforme a legislação, quais são os conceitos e as diferenças entre o aluguel de temporada e o modelo de negócio por meio de plataformas digitais, como o Airbnb?
A Constituição Federal garante o direito de propriedade (artigo 5º, inciso XXII). De tal forma, a própria Constituição Federal ainda assegura que a propriedade atenderá a sua função social (artigo 5º, inciso XXIII). Por oportuno, quanto a esse último dispositivo cabe esclarecer que se a propriedade cumprirá a sua função social quando inserida em meio urbano, ou seja, a sua função será de moradia na cidade. E quando inserida em meio rural a propriedade cumprirá a sua função social, ou seja, a sua função será de moradia e produção de bens e consumo, tais como criação de gado, plantações, ou a simples manutenção de complexos florísticos.
Diante disso, o legislador constitucionalista não ampliou esses dois elementos referentes ao cumprimento da função social da propriedade para além dos aspectos urbano e rural.
É certo que algumas questões devem acompanhar a evolução da sociedade, porém ressalvadas as devidas cautelas.
Nesse sentido, a locação por meio de plataformas digitais, foi tratada pelo STJ como “locação informal e fracionada”, diferente do modelo tradicional de locação.

A decisão ressalta que a convenção do condomínio pode autorizar a utilização das unidades nessa modalidade de aluguel (Airbnb). A convenção tem poder soberano sobre a destinação do imóvel ou pode ser questionada?
A decisão do STJ assegura o fiel cumprimento da convenção condominial. Esse importante instrumento faz lei entre as partes e regula o funcionamento da propriedade e de suas áreas comuns, tais como: academias, piscinas, salão de festas, sauna, churrasqueiras e até mesmo as vagas de garagem.
Portanto, a convenção condominial é o instrumento mais importante para regular as condutas em um ambiente respeitoso e saudável como o condomínio, seja ele horizontal ou vertical.
É evidente que não é possível privar o condômino proprietário de exercer a sua propriedade, porém, a destinação do imóvel para temporadas pode desautorizar e infringir a convenção do condomínio. A vontade de um proprietário, não pode prevalecer sobre a vontade dos demais proprietários, que tem em comum a vida e a vivência na modalidade de condomínio.
É óbvio que a convenção poderá ser questionada no Poder Judiciário, conforme preconiza a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV. Todavia, questões “interna corporis” não costumam ser modificadas ou alteradas, pois foram discutidas, votadas e aprovadas em Assembleia.

Como o síndico do condomínio deve proceder caso haja destinação de unidades para fins não previstos em convenção? É comum incorrer em constrangimentos indevidos?
O síndico deve sempre ter paciência, bom senso e agir dentro dos limites da lei. Pelo que decidiu o STJ, a regra determinada na convenção do condomínio é que vai autorizar ou não a locação fracionada via plataformas digitais.
O síndico pode reunir-se em assembleia e proibir esse tipo de locação por temporadas, alegando diversos fatores, dentre outros a falta de segurança para com as unidades vizinhas da propriedade locada fracionadamente. Nesse sentido, o seguro do condomínio precisará ser revisto toda a vez que houver uma locação desse tipo. Parece-me inviável do ponto de vista administrativo-coletivo.
É muito comum ocorrer constrangimentos indevidos, principalmente quando da chegada de um vizinho novo que não pretende estabelecer sua morada no condomínio. Outra questão muito corriqueira é a utilização de garagens por diversos veículos, face a possibilidade de alta rotatividade de locação nessa modalidade.

É possível conciliar atividade comercial e de hospedagens junto com residências? O que diz a legislação brasileira a respeito e como os condomínios devem se organizar quanto a isso?
Ao teor da decisão do STJ, a natureza originária do aluguel ofertado pela plataforma digital, difere totalmente da natureza originária do aluguel tradicional, embora ambos sejam ofertados com o mesmo intuito de lucro. No cerne da discussão, caberá aos proprietários definirem esse modelo de locação fracionada ou por temporadas, analisando os eventuais riscos para com a segurança, utilização dos espaços comuns, alteração do seguro condominial, dentre outros aspectos que permeiam a locação de um imóvel no âmbito coletivo.
Na legislação brasileira a Lei nº 4.591/1964 dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. No artigo 9º, determina que: “Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas elaborarão por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão também, por contrato ou por deliberação em assembleia, aprovar o Regimento interno da edificação ou conjunto de edificações.”
No parágrafo 3º descreve que: Além de outras normas aprovadas pelos interessados, a Convenção deverá conter:
[…]
b) o destino das diferentes partes.
c) o modo de usar as coisas e serviços comuns; dentre outros.
Portanto, além da Lei nº 4.591/1964 é a Convenção coletiva do condomínio que vai autorizar ou não esse tipo de modalidade de locação, cabendo ainda ao Regulamento interno disciplinar o uso de espaços comuns.
É evidente que o assunto é polêmico. No entanto a 4ª turma do STJ decidiu acertadamente para refrear esse tipo de locação por temporadas.

Em um ambiente condominial, é comum o conflito entre o direito do proprietário (usar e dispor livremente do imóvel) e os direitos relativos à segurança, sossego e saúde dos moradores. Como é possível harmonizá-los?
Sim, infelizmente esse é um assunto corriqueiro dentro do ambiente condominial. Questões relacionadas ao uso de som alto, condôminos que não acompanham o fechamento dos portões, abusam do horário de silêncio, abusam da utilização de espaços comuns, trazendo pessoas alheias ao seio familiar e ao condomínio, intermináveis churrascos, baladas, abuso de bebidas, cigarros, entorpecentes assolam o ambiente condominial. E recentemente com a Pandemia do COVID-19 a questão da saúde também abatem os administradores, que tiveram de tomar medidas emergenciais e colocar recipientes de álcool gel espalhados pelos lugares de alto risco de contaminação, tais como elevadores, portas de entrada, escadas, botões de acionamento e academias.
Como harmonizar a vida em condomínio? O bom senso deve prevalecer, sempre. O síndico e o Conselho administrativo e fiscal, juntamente com a administradora condominial devem estabelecer regras claras nas assembleias e sempre que possível atualizar as convenções e regulamentos internos dos condomínios.
Assim poderemos viver saudavelmente em um ambiente regrado e com normas bem definidas.

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