Afrodescendente, uma mulher foi condenada por injúria racial contra a “colega” de trabalho. Ela citou para a vítima, entre outras frases, “veio da senzala” e “cabelo bombril”. O caso ocorreu em Limeira (SP) e foi julgado no dia 16 deste mês pelo juiz Rafael da Cruz Gouveia Linardi, da 3ª Vara Criminal.
A ré e a vítima trabalhavam no mesmo setor e o crime, de acordo com a denúncia do Ministério Público (MP), ocorreu em setembro do ano passado, quando a acusada dirigiu ofensas como “veio da senzala”, “cabelo bombril”, “tem piolho”, “tranças fedidas” e “fedida”.
A vítima denunciou o caso na Polícia Civil e também comunicou o RH da empresa. Na sentença, consta que, em juízo, ao prestar esclarecimentos, a vítima estava emocionada e disse que já tinha sido vítima de racismo anteriormente, inclusive teve que passar por psicólogo por conta da situação traumatizante.
A injúria racial está prevista no artigo 2º-A da Lei nº 7.716/1989, que tem a seguinte redação: “A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”.
A defesa pediu absolvição por ausência de provas. Ao depor em juízo, a ré negou os fatos e afirmou que, ao mencionar “senzala”, se referiu ao ambiente de trabalho. Disse, também, que não tinha desavença com a vítima e que já foi zombada, chamada de “nega maluca”. Por fim, afirmou que o problema entre ambas decorreu de fatores banais e não de preconceito decorrente da cor da pele.
Ao analisar as versões da acusação e defesa, Linardi chegou à conclusão da existência de crime e atribuiu a autoria a ré. “Resta evidenciado que a acusada, quando dirigiu impropérios à ofendida, teve o escopo deliberado de lhe ofender em razão da cor de pele, pois as expressões ‘tranças fedidas’ e ‘cabelo bombril’ são utilizadas, infelizmente, para atingir pessoas que ostentam pele escura, de procedência africana, havendo, aqui, o dolo específico”, mencionou na sentença.
O magistrado descreveu como “emocionante” o depoimento da vítima com “forte sentimento de humilhação que evidentemente decorre do caráter racista das ofensas suportadas, aptas a atingir as profundezas da alma, não havendo que se falar, no caso em tela, de meras agressões genéricas e banais”.
Ao concluir, Linardi também mencionou o fato de a acusada ser afrodescendente. “Embora seja circunstância que causa espanto, não a impede de ter praticado injúria racial, pois a despeito de vivermos num país marcado pela elevada miscigenação, existe o denominado racismo estrutural, sendo verificadas inúmeras e incontáveis camadas de discriminação, inclusive em decorrência dos diferentes tons de pele”, finalizou.
A ré foi condenada por injúria racial à pena de dois anos de reclusão, em regime inicial aberto, com substituição por duas penas restritiva de direitos, consistentes em prestação pecuniária à vítima, no valor de um salário-mínimo, e prestação de serviços à comunidade, por prazo semelhante ao da pena corporal. Até pode recorrer em liberdade.
Foto: Diário de Justiça
Denis Martins é jornalista, escreve para o Diário de Justiça e integra a equipe do podcast “Entendi Direito”. Formado em jornalismo, atuou em jornal diário. Também prestou serviços de comunicação em assessoria, textos para revistas e produção de conteúdo para redes sociais.
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