A república dos inconfidentes e a república do capitão

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Estava matutando comigo mesmo estes dias de outono e de um friozinho gostoso para refletir, pois o silêncio é uma forma de curtir o clima. O frio nem sempre incomoda, a não ser em temperaturas bem baixas. É propicio para exercitar a cachola e deixar o pensar bem livre.

Aliás, liberdade de pensar e agir é algo que no Brasil, em seus 522 anos, dá para contar nos dedos os momentos de livre voar, de livre escolher, de livre expressão. O tempo mais longevo de democracia e de República do Estado de Direito tem sido de 1985 até o presente momento.

Em nossa História, o sopro de liberdade por muito tempo não passava de um sonho, uma utopia, um querer distante, longe de nossas mãos e impossível de ser alcançado.

Cabral chega e diz que as terras são deles, brancos, armados até os dentes e pau nos que aqui estavam há muito tempo. Depois vieram os africanos, trazidos na marra, na força e na crista da morte para aqui, sob correntes, trabalharem para os brancos ricos e o clima de parasitagem. Muito sangue, suor e lágrimas foram derrubados para vir a Independência, o fim do Império, a República e a Abolição.

Nem sempre estes fatos tiveram povo consciente e nas ruas, embora a liberdade consistia em um desejo de todos, em especial negros e pobres.

Na República, a herança do absolutismo ficou por muitas décadas. Os Historiadores chamam de República Velha, do ano de 1889 até a década de 30 do século XX, exatamente por ser comandada por militares monarquistas e autoritários.

A liberdade sempre foi restrita no Brasil. Ampla, como já dissemos, tem sido neste momento. Um período muito breve de liberdade se viu entre duas ditaduras, a de Getúlio Vargas e a Militar, mesmo assim repleto de conflitos.

A liberdade move, em qualquer parte do globo terrestre, mulheres e homens que não medem esforços para buscá-la, mesmo que amarras as prendem e as matam.

Uma frase atribuída ao poeta chileno Pablo Neruda – “Os poderosos podem matar duas, três rosas, mas não conseguirão deter a primavera” – é real na História. Como são reais as tentativas de fechar, bater e arrebentar, como um militar dizia na ditadura militar aos estudantes em passeata.

Em nossa História, episódios os quais comemoramos sempre têm, na bandeira, a liberdade como lema, mesmo que alguns setores tentam disfarçar o discurso para dar golpes, como Bolsonaro tentou no último 7 de setembro. Nesta quinta-feira, 21 de abril, comemorou-se mais um aniversário da Inconfidência Mineira, o chamado Dia de Tiradentes, apelido de Joaquim José da Silva Xavier.

O Dia de Tiradentes é pouco refletido. Muito sequer sabem o que realmente ocorreu em Vila Rica, cidade de Minas Gerais onde tudo ocorreu. O máximo de conhecimento é de que neste dia Tiradentes foi assassinado pela coroa portuguesa.

Em 1789, mesmo ano da Revolução Francesa que destituiu a Monarquia e criou a República naquele País, uma pequena parte da elite mineira da cidade de Vila Rica se organiza e levanta a bandeira da Independência com o Lema “Libertas que será Tamem”.

O contexto político e histórico do Brasil Colônia naquele momento era o de evolução das riquezas no País, com a chamada Era do Ouro, sendo Minas Gerais e, em especial Vila Rica, locais de grande desenvolvimento. Aliada a corrida do ouro, a escravidão negra aumenta, batendo recordes de cativos trazidos da África acorrentados. Era esta mão de obra que antes colaborou no ciclo do açúcar, agora era a principal para garimpar o precioso ouro e a preciosa prata.

Minas Gerais passa a ser o grande centro mercadológico, bem como politico da Colônia. Portugal mandava para cá seus administradores em grande maioria militares ou nobres ou mesmo mau caráter que aqui vinha pagar por seus crimes, servindo os interesses da coroa.

Apesar do progresso que a corrida do ouro proporcionava, o custo de vida para os brancos e libertos era caríssimo. Tudo o que se comercializava ia uma parte considerável para Portugal através dos impostos. As elites donas de escravos, de empreendimentos, pagava seus tributos, mas estava descontente com os valores exorbitantes. Ou seja, as riquezas aqui acumuladas iam para no baú do rei da terrinha.

Uma década antes, em 1776, os americanos conquistam sua independência da Inglaterra e criam os Estados Unidos da América, uma junção de Estados com relativa autonomia do poder central em alguns assuntos, entre eles a escravidão negra, a economia e o poder político.

Era uma República, tinha um presidente, mas mantinha estruturas do tempo da Colônia.

Em Minas Gerais, como em qualquer parte do mundo que se desenvolvia, o conhecimento também evoluía entre as elites. Tanto a Independência Americana como os Movimentos da Revolução Francesa chegavam até Vila Rica. As reuniões de grupos, sociedades religiosas e outros, tinham como pautas acontecimentos no mundo, as transformações que vinham a galope bem devagar por aqui, mas começam a influenciar.

O descontentamento com o abusivo imposto que se pagava obrigava esta elite esclarecida e alfabetizada, branca e com posses, a se organizar e exigir seus direitos, como o fizeram as colônias americanas. Da França, a ideia de liberdade foi comprada, mas só. Os lemas igualdade e fraternidade foram esquecidos pelos inconfidentes.

Na pauta dos mineiros não estava a Abolição da Escravatura. Não havia acordo entre eles sobre este ponto, até porque muitos eram donos de cativos. Inclusive Tiradentes era um deles. Uma outra questão que desvirtuava da igualdade dizia respeito às unidades federativas. Os inconfidentes defendiam o modelo americano de País, com um aglomerado de Estados com autonomia sobre a maioria dos assuntos. Neste ponto se pensava mais na rica República de Minas, e não no Brasil.

No sufrágio universal, embora não se tenha muitos dados, só votariam as elites letradas e os homens, de posição e poder. Mais um exemplo de que a igualdade não existia como quesito do movimento. Mas apesar de tudo, não se pode negar a importância histórica do movimento, pois a liberdade é essencial para o ser humano e ela ali está.

Neste momento em que Bolsonaro e seu vice chamam torturadores de heróis e o Golpe de 64 de Revolução e a verdade das torturas do regime de exceção vem à tona, se faz necessário lembrar dos inconfidentes, mesmo com seus erros e equívocos.

A todas e a todos, um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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