Por João Geraldo Lopes Gonçalves
Outro dia, mexendo em minhas coisas, me deparei com anotações em um caderno velho. Elas eram datadas do início da década de 90 do século passado. Naquela oportunidade, trabalhava como assessor político da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção Civil de Campinas e Região.
Elas (as anotações) diziam respeito a um projeto de Alfabetização de Adultos desenvolvido naquela instituição. O projeto nasceu depois de várias visitas que este escrevinhador fazia nos canteiros de obra.
A maioria destes canteiros tinha alojamentos, por se tratar de trabalhadores migrantes. Eram operários de todos os cantos do Brasil, Norte, Nordeste, interior de Minas e São Paulo, bem como de outros Estados.
O que detectamos é que a maioria vivia em péssimas condições de vida e trabalho naquelas obras. O salário que recebiam ia todo para as famílias nos locais de origem. Sobrava pouco ou quase nada para sustento nos locais de trabalho.
Aquela situação de penúria e miséria angustiava a diretoria do sindicato e a nós. Buscamos realizar uma pesquisa na categoria e a conclusão foi estarrecedora. 70% da categoria era analfabeta ou semianalfabeta.
Esta questão de não saber ler e escrever levava muitos a assinarem contratos ou carimbar com o dedo, desfavoráveis a eles. O levantamento nos fez debater primeiro no seio da diretoria do sindicato e depois com os próprios trabalhadores.
A intensificação de lutas por melhores condições de vida e trabalho foi a primeira alternativa. A segunda e inovadora pelo menos na região de Campinas foi criar a escola de alfabetização de adultos. Na época, o educador Paulo Freire era secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo.
Ele organizou lá o MOVA – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos. Surgiu naquela cidade e fez uma pequena revolução. Nós corremos para saber mais. Visitas à secretaria paulistana, salas de aulas em escolas, igrejas, associações de moradores, fábricas e canteiros de obras.
Estávamos encantados não só com a amplitude do projeto, mas com seus resultados. De cada três alfabetizados pelo Mova, em seis meses a educação formal levaria de um ano a dois. O que era aquilo? Mágica ou meia boca na Educação?
Nenhuma das duas coisas. Paulo Freire, nos anos 50 e 60, iniciou um programa educacional inovador. Primeiro, na cidade do Recife (PE), depois para todo o Brasil. Seu programa só foi interrompido com o Golpe Militar de 1964. O professor foi exilado e taxado de comunista pelos militares e setores educacionais conservadores.
O método de alfabetização era intitulado Pedagogia do Oprimido. Só o nome assustava as elites. Durante muito tempo, seu método foi diabolizado por estas mesmas elites. Com o surgimento do bolsonarismo, as conversas retornaram em um nível baixo e cheio de fakes news.
Não vamos perder nosso tempo nestas discussões chulas e perniciosas a nossa saúde física e mental. Nos detivemos ao método Paulo Freire. O educador, ao estudar nossa educação formal, concluiu algo assustador.
Nossa Educação, da qual ele chamou de Bancaria ou de armazenar, consistia em que o professor fazia depósito nas mentes dos alunos. Não havia troca de experiências capazes de, a partir da História do Aluno, não passar conhecimento, mas construir conhecimento.
Por isto é que boa parte dos brasileiros tinham dificuldade para compreender o mundo. Eram totalmente iletrados ou semi, mesmo sentando em um banco de escola. O professor Paulo Freire cria então uma alternativa a este depósito de ideias de uma só pessoa. A Educação Dialógica e problematizadora.
A ideia é partir da realidade do aluno, discutindo com ele sua vida. Por exemplo: um tijolo, quem o faz, para que serve, onde vive este trabalhador, em casa de tijolos ou palhoça? A casa é sua ou alugada? Quanto ele recebe de salário por construir para o patrão? E por aí adiante.
O diálogo com os alunos é fundamental. Pois levanta um cenário que nenhum telejornal pode explicar ou tem interesse sobre as causas da distância enorme entre ricos e pobres. O Brasil das elites endinheiradas não reconhece o milagre deste método. Mas o mundo todo, inclusive liberal e capitalista, reverencia Paulo Freire.
E não é só descobrir a cantilena da divisão de classes e a injusta falta de distribuição de riquezas. O método propõe que os trabalhadores se organizem e lutem por seus direitos. E mais: cria uma consciência de paz, solidaria, de partilha e humana. Tudo que as elites selvagens e predadoras não querem.
Manter as injustiças e a divisão inclusive entre os pobres é o caminho para quem quer os lucros apenas para si mesmo. E este plano é recheado de discussões ideológicas maléficas e distorcidas.
Quero terminar o texto com o que no Brasil vem se configurando como normal. O discurso de ódio. Na semana passada no Congresso Nacional, o deputado Gilvan da Federal proferiu um discurso perigoso e horroroso.
A Casa de Leis debatia o PL que falava da segurança (perfeitamente constitucional) do presidente Lula. Suas palavras de desejos transcrevo abaixo (fonte UOL):
“Eu vou te falar: por mim, eu quero mais é que o Lula morra, eu quero que ele vá para o quinto dos infernos. É um direito meu. Não vou dizer que eu vou matar o cara, mas eu quero que ele morra que vá para o quinto dos infernos”.
E continua. Lula teve um tumor na garganta em 2011 e se curou após passar por tratamento. “Nem o diabo quer o Lula, é por isso que ele está vivendo aí, superou o câncer. Tomara que tenha uma taquicardia porque nem o diabo quer essa desgraça desse presidente que está afundando o Brasil. E eu quero mais é que ele morra mesmo”.
Palavras duras e perigosas, como disse acima. Uma figura pública é espelho e deveria ser exemplo para todos. Mas qual exemplo ou exemplos este cidadão quer dar para a humanidade.
O de justiceiro? De Deus?
Ora bolas. Que País este individuo quer, o do olho por olho, do bangue-bangue? O Governo Federal pedirá que a Advocacia Geral da União e a Polícia Federal investigue as intenções deste parlamentar.
Frase: “Quem pede anistia, reconhece seu crime”.
Um bom fim de semana a todas, todos e todex.
João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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